A Suíça há muito que nos dá chocolates, relógios e canivetes. Em 1981, viu nascer Roger Federer. Em 1983, os Hellhammer (e depois os Celtic Frost). E em 1985, os Young Gods, que são certamente a banda com um dos cultos mais sólidos de sempre por terras nacionais. Tão sólido, que nem o facto de terem dado mais de uma dezena de concertos em Portugal nos últimos três anos impediu que o Santiago Alquimista estivesse perto de encher. Um dia depois de um primeiro concerto. Anunciado cinco dias antes. A uma segunda-feira à noite. Só motivos de orgulho para Franz Teichler e companhia.

Entre manipulação sonora, samples, loops e uma ligeira distorção na guitarra, Sirius Business chamou a banda a palco que não tardou a arrancar com ‘Blooming’. Os dois temas do novo disco, Everybody Knows, não deixaram de causar alguma estranheza entre o público que provavelmente estava à espera de uma entrada negra e mecânica, típica dos Young Gods que muitos dos presentes provavelmente cresceram a ouvir. É que o novo disco mostra uns Young Gods em plena plena maturação sonora: o negro é substituído por cores bem urbanas e muito etéreas, sempre com uma sobriedade imensa que mostra o elevado patamar em que a banda se encontra.

Mas as visitas ao passado são quase obrigatórias e o público agradece. Não que as novas faixas não sejam ricas em corpo e texturas, mas falta-lhes o corpo e a massa pesada que constroem, por exemplo, Tenter le GrillageSkinflowers ou Kissing the Sun, todas elas passadas em revista na noite de ontem. Como qualquer homem, também o trio ontem transformado em quarteto (em grande parte do concerto esteve presente um guitarrista, que adornava e bem as canções mais mortiças dos Gods) tem dentro de si uma parte maquinal que luta convulsamente para despertar e sair cá para fora. E se a máquina dos suíços se fazia ouvir pelos samples de Al Comet, sentia-se e espalhava-se Alquimista adentro pela presença incontornável do vocalista Franz Teichler. Além da voz clara e bem colocada, as suas danças semi-mântricas e quase ritualistas, mostravam que a banda não estava ali para brincadeiras. A luz vermelha que banhava o palco fazia sobressair uma violência controlada à la Suicide que não desaparece de qualquer forma e marca um contraste profundo (e por vezes drástico) com os Young Gods paisagistas de 2010.

A apetência (e preferência) natural para os registos instáveis, convulsos e mais densos (lembremo-nos de “Griots & Gods”, gravado ao vivo com Dälek) estava já comprovada, mas teimava em chocar de frente com Mr. SunshineMiles Away ouIntroducing, criando-se quebras de ritmo que num concerto são imperdoáveis – mais do que a ausência de um baixo na banda.

Mas fã é fã e aguenta. E quando por entre o mid-tempo introspectivo de Everybody Knows irrompe Gardez les Esprits, o ar melancólico é dissipado e o fumo, o ambiente maquinal, denso e pesado instala-se definitivamente e a satisfação (quase loucura) apodera-se. Reduzidos a um trio, os Young Gods atiram-se para um (ou dois, ou três) encore totalmente infernal e que arrebatou o muito público. A fúria de Kissing the Sun foi o último ponto alto de um concerto que acabou tantalizante e com os suíços rendidos – uma vez mais – a Portugal e a uma sala cheia que os ovacionou durante dois minutos.

No fim, duas horas que foram bem salvas por clássicos de outros tempos. A fúria de Kissing the Sun – mesmo que criada digitalmente – vale mais em palco que o artifício da introspecção de Miles Away. Qual moeda, os Young Gods apresentaram duas faces e o concerto acabou por se ressentir disso, com algumas quebras de ritmo que podiam ser evitadas. Mas a face mais convulsa batalhou sempre que pôde para vir ao de cima. E ganhou.