As propostas para a segunda noite de warm-up eram, logo à partida, bem mais interessantes do que as da primeira. Na prática, ainda que a tenda parecesse menos lotada, isso levou a que oWarm-Up cumprisse em pleno a sua função – mataram-se saudades e reencontraram-se amigos e os ânimos aqueceram para proporcionar uma celebração antecipada daquilo que é o Festival Paredes de Coura.
Sensible Soccers
O início da noite convidou ao concerto dos portugueses Sensible Soccers. A música deste quarteto, concebida na pequena freguesia de Fornelo, em Vila do Conde, sempre abre caminho a uma experiência sensorial trabalhada pela maior criatividade e originalidade. O estilo da banda é difícil de caracterizar, reunindo influências em estilos tão diversos como electrónica, post e krautrock, experimental ou ambiente. É na confluência de tudo isto, que o trilho sonoro é construído, permitindo criar uma experiência própria, com um cunho pessoal bem vincado.
O concerto ficou marcado por um inicio onde facilmente reconhecemos duas das faixas mais populares da banda. Wild Piano e Missé-missé funcionaram como propulsores numa viagem cósmica, marcada pelo cruzamento harmonioso de sintetizadores com a reverberação das guitarras e ecos de voz. A construção de paisagens e o carácter ora cénico, ora dançável , das melodias, guiou-nos durante a atuação. Os Sensible Soccers aproveitaram ainda o balanço para apresentar novos temas que facilmente se aconchegaram nos nossos ouvidos. As novidades parecem corroborar a tese de que estamos a falar de uma banda que, para além de possuir boas ideias, sabe aplicá-las em excelentes diretos. Por isso, presumimos, só nos poderão dar boas notícias nos próximos tempos.
Stealing Sheep
Três meninas com vestimentas coloridas e arrojadas, saíram ao palco para o segundo concerto da noite. A banda chama-seStealing Sheep e veio de Liverpool. Chegou para mostrar, sobretudo, as músicas do disco chamado Into The Diamond Sun(2011). Talvez a melodia algo pagã ou o estilo alt-folk campestre ajudem a explicar o estranho nome de baptismo.
O mel e o sonho das melodias cantadas em uníssono pelas três são insuficientes para nos cativar. A delicadeza da sua criação musical não serve para aquecer o ambiente. As qualidades de Into The Diamond Sun têm difícil transposição para um palco que parece demasiado grande para elas. Enquanto os tambores rufam, e as palmas batem para compor o ritmo, o público não tem forma de animar. A energia que emana do palco é pequena e isso justifica a timidez da reação da plateia, que guardou forças para o que se seguiria.
Linda Martini
Paredes de Coura e Linda Martini são nomes que, em certa medida, andam de mãos dadas. As duas passagens da banda lisboeta pelo palco principal do festival foram simultaneamente marcos na carreira da banda e momentos inesquecíveis na história do festival.
Afastados dos palcos para preparar um novo disco, este Warm-Up serviu, não só para matar saudades de Paredes de Coura, mas também dos Linda Martini. A juventude sónica sentia essas saudades e não perdeu a oportunidade de ver o primeiro concerto dos Linda Martini em 2013. É bom ver que Hélio Morais, André Henriques, Cláudia Guerreiro e Pedro Geraldes ainda arrastam atrás de si um dos maiores cultos da música portuguesa actual.
Ao contrário do que se poderia esperar, o quarteto não desvendou muito do seu novo trabalho (só se ouviu uma música nova) e, antes pelo contrário, aproveitaram este concerto (que, diga-se de passagem, pareceu demasiado curto) para fazer uma espécie de retrospectiva. Foi óptimo recordar temas antigos como Amor Combate ou Cronófago e malhas mais recentes como Belarmino Vs ou Cem Metros Sereia e reviver todos os momentos de suor, garra e vitalidade que os Linda Martini já nos proporcionaram nos últimos anos.
Omar Souleyman
É difícil resumir e descrever quão pitoresco é tudo o que se passou durante o concerto de Omar Souleyman. Para contextualização, os caminhos que levam o artista, lenda da música síria a receber guarida nas hostes da música alternativa parecem sinuosos. Há um entrelaçar de culturas leva a que Omar suba a palco, vestido com um keffiyeh vermelho e branco, uma túnica preta e óculos-de-sol colocados, e, dessa forma incendeie o ambiente com “baladas” do deserto do fogo. O seu jihad techno recebe influências do dabke sírio, choubi iraquiano e ritmos curdos para uma explosão de ritmo. Neste processo conta com a colaboração do fiel escudeiro Rizan Said, que debita sons do sintetizador, como se de uma metralhadora de guerra se tratasse. Tudo isso somado, resulta num incrível produto pop no ocidente.
Reza a lenda que Omar tocava em casamentos antes de atingir o estrelato. Nada parece mais apropriado para descrever o momento gerado. O frenesim de ritmo, quase inebriante, leva-nos para a festa de uma mega-boda qualquer. As pessoas descobrem capacidades de dança que pareciam inexistentes até à data, e que relativizam o conceito de vergonha, transformando a Praça D. João I numa enorme pista de um baile de movimentos semi-epilepticos. Em poucas palavras: a loucura.
Lee Ranaldo Band
Estranhamente ensanduichado entre Omar Souleyman e Matias Aguayo, o concerto de Lee Ranaldo tinha tudo para não ser tão bem recebido. Depois do furacão sírio, qualquer coisa que viesse iria fazer abrandar o ritmo cardíaco dos festivaleiro e não se sabia até que ponto eles estariam dispostos a isso. Felizmente, tudo correu pelo melhor.
A solo, Ranaldo é mais melodioso do que estamos habituados a ouvi-lo com os Sonic Youth, mas, sem grande surpresa, o concerto teve também a sua dose de distorção. Between the Time and the Tides de 2012, é o disco mais recente de Lee Ranaldo (numa carreira que já conta com 9 discos a solo) e já havia sido apresentado no Porto – então na Casa da Música e totalmente a solo. Desta vez, o norte americano fez-se acompanhar de uma banda – aos comandos da bateria estava o também ex-Sonic Youth, Steve Shelley – e os resultados foram francamente melhores.
Entre algumas músicas já conhecidas e um punhado de canções novas (uma das quais foi apresentada no Porto em primeira mão), entre duelos de guitarra e vários tipos de distorção, Lee Ranaldo provou que, apesar de os Sonic Youth terem acabado, a sua chama não morreu e é ainda capaz de pegar fogo a muita coisa.
Matias Aguayo
Este produtor chileno, estabelecido na Alemanha, fechou a noite do festival Warm-Up Paredes de Coura. A sua versatilidade é espelhada numa carreira cheia de colaborações, onde se destaca a participação no segundo álbum dos math-rockers Battles.
A solo, em formato dj set, Aguayo demonstra a elasticidade criativa que as suas colaborações certificam. Há influências latinas que se misturam com ritmos tribais. A estética da melodia tende sempre para o techno minimal, ritmos simples, mas profundamente contagiosos. O ritmo de galope, profundo e cru, é o motor que, sorrateiramente, faz o nosso corpo querer continuar noite dentro e que o festival não acabe. Até Agosto, Paredes de Coura.