Alguns dos elogios mais justos ao Mexefest vieram da boca de Erlend Oye. Foi ele que valorizou o uso de espaços emblemáticos da cidade para realizar concertos, sem sacralizações ridículas e sem que a tradição tenha de ser posta em causa. Saúda ele e saudamos nós, num dos grandes trunfos deste festival com uma peculiar itinerância.

Um dos bons exemplos é a Sociedade de Geografia de Lisboa. Uma espécie de antiga biblioteca, com uma beleza imponente e ampliada pela voz superlativa de Gisela João, a fadista de Barcelos. Canta poemas de Aldina Duarte, de Armando Pinto (o fortíssimo “Maldição”) ou de Capicua, na adulteração moderna da “Mariquinhas”, e, pelo meio, há espaço para um instrumental de Carlos Paredes. Por vezes, parece haver um certo excesso interpretativo, mas soa a coisa sincera, sentida e emotiva. Um belo início de noite com a marca da portugalidade.

A emoção mudou de tom logo a seguir. Em vez do fado e da postura descontraída de Gisela, temos, no Coliseu, a melancolia folk e a enorme timidez de Elena Tonra, a vocalista do trio londrino Daughter. Sente-se essa timidez nas palavras submissas com que tenta contactar com o público e até no “sorry” que se ouviu após um ligeiro engano. Abriram com o single “Still” e, desde aí, tiveram o público que encheu o coliseu na mão, de uma forma surpreendente para os músicos, notoriamente maravilhados com tanto carinho. Há uma beleza imensa na voz e na guitarrinha tristes, enquanto doses equilibradas de ruído vão dando mais chama e corpo a estes lindíssimos e arrepiantes temas. Destaque para a aceleração de “Winter” ou para o mais complexo “Love”, pleno de camadas e com o som visceral da guitarra tocada com o arco de violoncelo. São um dos fenómenos musicais do ano e mostraram-no devidamente no Mexefest.

Após o fim de Daughter, debandada geral rumo ao São Jorge, onde o calmeirão desengonçado se preparava para entrar em acção. Falamos de Erlend Oye que, após os Kings Convenience e os Whitest Boy Alive, se estreou agora em nome próprio. Estreia em Portugal, mas também global desta formação, em que o norueguês surge acompanhado por um flautista e um guitarrista, que conheceu respectivamente em Berlim e Siracusa. Ouvimos temas em italiano, com destaque para o mais pop “La Prima Stata”, a poesia de Vinicius de Moraes ou uma cover de Elliott Smith (“Thirteen”). Numa abordagem acústica, a aposta de Erlend Oye desde que lhe foi diagnosticado um problema crónico no ouvido, há coisas mais bonitinhas e outras meramente ambientais e quase aborrecidas. Para animar as hostes nos momentos mais flat, a empatia de Erlend com o público estendeu-se aos seus parceiros de palco. De tal modo que se criaram quase claques a gritar entusiasticamente pelos nomes dos míticos Maurizio e Victor (!!). Enfim, em vez um projecto já bem estruturado, assistimos a um agradável esboço do que poderá ser um futuro conceito mais consistente.

Se, no primeiro dia, vimos JP Simões tocar para poucas pessoas na Estação do Rossio, o cenário é francamente diferente nos minutos que antecedem a entrada em palco da banda da dinamarquesa Oh Land, de regresso ao Mexefest dois anos depois. Uma balada que poderia ser de Adele, pop que não aquece nem arrefece, algo de uma M.I.A. em versão betinha… tudo muito incoerente e sem grande fio condutor. E, no meio desta diversidade discutível, uma tema muito bonito e mais etéreo, com um som de xilofone a abrir, chamado “Perfection”. Altura de subir a avenida para uma rockalhada das antigas.

Chegar ao S. Jorge e depararmo-nos com o público sentado a ver The Legendary Tigerman é algo que simplesmente não equacionamos. É como juntar um Real – Barça com um público destinado a ir a um musical: são coisas que não combinam. Minutos depois é o próprio Furtado que avisa não fazer sentido esta postura, dizendo mesmo: “pensem que as cadeiras são o Passos Coelho”. Algum público levanta-se, enquanto outro permanece sentado, talvez demasiado agarrado a um lado mais formal da sala (ou politicamente satisfeito, o que deve ser uma raridade). E o que se ouve merece mesmo ser dançado de forma incessante. Rock’n’roll com guitarra ríspida e uma pontual bateria demolidora deveriam ser capazes de convencer qualquer um, até porque o homem tigre permanece o raçudo de sempre, sem concessões e com uma visita à plateia nos minutos finais. Só vimos parte do concerto, mas foi uma meia-hora à Benfica.

A parte final do Mexefest fez-se no Coliseu, com o restante pic-nic da Discotexas, a editora que produz hoje alguma da mais entusiasmante música electrónica feita em Portugal. Ouvimos Moullinex, o trio liderado por Luís Clara Gomes, em que o funk e o disco orgânicos e sensuais fazem a diferença, com os sintetizadores a dividirem o protagonismo com o baixo. A reacção mais efusiva deu-se inevitavelmente com os singles “Sunflare” e “Take My Pain Away”. Só é pena que o overacting e o entusiasmo destemperado de Da Chick (que tinha actuado antes do Moullinex) tenham estragado um pouco o último tema. Com contornos semelhantes, embora com passagem por tons ligeiramente mais etéreos e lentos, a noite fecharia com o DJ Set de Xinobi, outro dos nomes fortes da Discotexas. Até para o ano Mexefest.