Caralhos ma fodam esses ‘jornalistas culturais’ que tomam contam dos festivais de verão de phones grotescos nos ouvidos, como se estivessem espalmados contra a Eau Rouge a ver o Senna a passar, como se um ‘anfiteatro natural’ lhes fosse o que Bagdade foi para o Carlos Fino; um terreno instável, incerto, impróprio, infiltrado de gente drogada, bêbada, esculachada, desgrenhada, embolorada, empoeirada… Já foi assim, mas já não é. Então logo o Primavera, que é mais de coroas de flores na cabeça.

O Primavera é só mais outro episódio na gentrificação festivaleira, mas é aquele outro que diz é diferente: porque vai ao underground bisbilhotar, porque guarda na memória os heróis que outros esqueceram, porque puxa da cartada indie como a sua principal quando os vizinhos parecem sempre limitá-la ao papel secundário. O Primavera quer ser a petite histoire num espaço público onde outros invariavelmente tomam a palavra para fazer o balanço. O Primavera quer ser único, mas já é igual: no branding, no merchandising, no franchising, no encavalating de palcos uns por cima dos outros como tudo a tocar ao mesmo tempo, nas barraqueitings para comer, nas outras barraqueitings onde se pode fazer a barba, porque é exactamente para isso que um gajo quer ir a um festival; para sair aprumadinho antes de ver o James Blake ou outro desses pacóvios quaisquer ao piano. O Primavera quer dar aos millennials a sensação de como era ‘back in the day’, mas já tem os tornozelos tão enfiados na modernice que não lhe sente o cheiro. Lisboa haverá de ficar sem varinas e o Porto haverá de ficar sem as peixeiras do Bolhão. Qaundo isso acontecer, em nome da gentrificação, contratar-se-ão actores para lhes ocupar os lugares e oferecer aos turistas e novos residentes a cena de como ‘era n’altura’. E o Primavera já é o actor em 2016: a dar aos newcomers a sensação de autenticidade com sabor a plástico.

No meio disto tudo há sempre uns tipos que se safam. Os Unsane. O Albini que já tem casa no festival mais os Shellac. E agora o John Reis, que este ano passa pelo Porto com os Drive Like Jehu. Essa real thing que um festival como o Primavera tanto anseia jamais poderá ser dada pela disposição do evento em si e por aquilo que ele a priori se assume, mas sim pelas… bandas. Ya, é isso, simples. São elas que outorgam a cena, que a autenticam, que lhes prestam credibilidade. E o John Reis é o gajo mais credível que eu conheço. Lá no topo com mais uns quatro ou cinco, mas bem, bem lá no topo. Um guitarrista fodido, do melhor que saiu daquela escola Dischord-influenced-post-hardcore, a anexação da melodia ao caos numa trégua assinada a cuspe. De colarinho desapertado depois do expediente, 150 vidas urbanas lamentadas naquela guitarra pouco salubre… para não dizer doente… para não dizer completamente perdida na vida, sem rumo, sem ritmo ou com todos os ritmos em simultâneo numa chispada cacofónica de envergonhar tantos pichas-murchas que hoje aí andam. O John Reis, o Swami para os amigos (e para quem lhe conhece a label), é daqueles gajos que vai ficar com o legado por contar, mas que se pode ouvir dos Converge aos Deftones, numa saraivada de ripoffs óbvios. E nos METZ, e nos Young Widows, e nos mais não sei quantas que não me apetece lembrar agora… O Reis é vítima de assaltos diários, mas ele nunca quis esconder o livro dos segredos.

Drive Like Jehu é do caralho e vai ao Primavera este fim-de-semana. Hot Snakes é ainda melhor e já lá esteve. A organização que lhes pague o que vai dar aos Interpol, que merecem mais.