Quando o EP Conceptive Prescience se infiltrou no microcosmos português, os Utopium consagraram um território seu, sem vizinhança nos contornos. O lado negativo não se fez tardar: depressa os lisboetas se viram incluídos naquele limbo dos apátridas musicais, cujas influências não tocam os sinos do típico metaleiro português. Negando o repisado caminho dos que se dedicam a falar de entranhas intestinais sob o signo do goregrind checo, ou do brutal death ininterrupto no seu bocejo rítmico, a banda arriscou jogar com a sua própria cartilha e, pese embora a desconfiança a que por muitos foram vetados, valeu-lhes o depósito de confiança de tantos outros.
Nesta casa não houve receio em apontar a sua estreia nos álbuns de longa-duração como um dos momentos mais antecipados de 2013; aposta que agora se descortina firme, mal os primeiros solavancos de Null Rousting reverberam, precedidos sombriamente por um trecho da película The Jacket. O grind dos Utopiumdeclara-se ríspido, de musculatura consistente, onde sentimos de forma reiterada a imundície à Kill The Client – é que, tal como os texanos, também os portugueses não ocultam a sua ascendência sludge e malhas como Held Tombstone, Owner of A Kept Abidenceou Jarred Into Newtons transportam súbitos momentos que nos recordam a baixa afinação dos Iron Monkey ou dos Eyehategod. Há até algo de Johnny Morrow nas encarniçadas cordas vocais de R., não só pela sua desconcertante violência, mas principalmente pela amplitude de registo conseguida.
E, se tantas vezes elogiamos J.R. Hayes pela sua excelência no que às letras concerne, enchendo os Pig Destroyer de uma alma ímpar, faça-se justiça ao vocalista dos Utopium – o conceito que atravessa Vicious Consolation / Virtuous Totality subleva o álbum para um patamar acima do que tradicionalmente se encontra no género. Não é o escarro gratuito, nem a cíclica posição anti-sistema: R. disseca a natureza humana sob duas perspectivas – os defeitos e as virtudes, concedendo metade do registo a cada. Exposição irascível e apta a afrontar qualquer nativo em inglês.
Durante os vinte e três minutos do registo, divididos por dezoito temas-relâmpago, os Utopium oferecem uma corpórea dose de grind, despida de todas as matrecadas inúteis e carregada de uma ferocidade que, embora também norteada pelo eixo nórdico Nasum–Rotten Sound, manifesta identidade própria. Vicious Consolation / Virtuous Totality – chapada ruidosa e assertiva naqueles que preferem sempre o mesmo arroz ao jantar.