À primeira vista, a lógica não nos ajuda a entender o porquê de Ulver ter entrado palco do MusicBox adentro como se fosse uma banda qualquer, sem ponta de aparato. Não o são. O legado, esse, fala por si. Naquilo em que apostam, seja black metal ambiental, seja uma banda sonora depressivo-orquestrada para um filme norueguês de humor avant-garde, saem a ganhar. E, sim, também cantam vitória com Wars of the Roses – em disco, as dúvidas imperam. Ao vivo, elas dissipam-se.

Foi estranho, então, ver um monstro destes entrar placidamente na sala do Cais do Sodré. Diante de si, uma plateia longe de estar repleta. E, no palco, seis músicos a quem lhes é indiferente se tocam num magnânimo anfiteatro ou num exíguo espaço como o MusicBox. Assim que a catchy February MMX, faixa inaugural do novo disco e do concerto lisboeta, ecoou, abraçada com cativantes projecções, percebeu-se que Ulver é Ulver e a logística é questão menor. O que realmente interessa é a sedutora atmosfera do grupo, que mais bela se torna quando Garm e companhia nos tentam enganar e ocultar uma dolência que estará sempre lá.

Garm e companhia ou Daniel O’Sullivan e companhia? Convém também perguntar isto, afinal o mais novo seleccionado para integrar o conjunto norueguês já parece maestro. Dividindo-se entre baixo, guitarra e teclas, O’Sullivan foi encorpando de decisiva maneira as faixas do novo disco. Aquele sal que lhe parece faltar quando o ouvimos em casa, encontra-se, afinal nas mãos do britânico. Que o despeja com precisão numa soturnaEngland e numa Island que nos leva para um retiro espiritual essencial, depois da fulminante convulsão provocada por Lost in Moments e Porn Piece or the Scars of Cold Kisses.

Assim se esculpem quarenta e cinco minutos de mestria. Mas houve mais. Garm, O’Sullivan e companhia (talvez fique melhor desta forma) voltaram (bem, houve membros quem nem se deram ao trabalho de ir até ao backstage para simular a saída) e catapultaram a plateia com uma Rock Massif excruciante e uma cover especial. Sim, os Ulver também fazem covers e os homenageados foram os The Troggs, banda inglesa de protopunk dos anos 60. O groove de 654321 enrodilhou-se num O’Sullivanque quis fazer da música dos The Troggs uma viagem ao fuzz dosThe Atomic Bitchwax e à aragem desértica dos Fu Manchu.

Instrumentos finalmente pousados, vozes erguidas. Chamou-se porUlver, aplaudiu-se Ulver e os Ulver, mais uma vez, voltaram. Afinal, Eos já é uma insígnia na lapela destes oficiais da experiência e não pode ficar por tocar. Hipnótico fim, protagonizado por uma matilha cuja raça continua por definir.