Revistos, amiúde, como a última grande sensação do underground europeu de peso, os Ufomammut já são repetentes em solo português. No Amplifest do ano passado deram, inequivocamente, um dos melhores concertos do certame e agora preparam-se para voltar, integrando a secção mais decibélica do Milhões de Festa 2013. Celebrando à liturgia do último ORO, palíndromo semiótico psych/doom em dois actos, estes italianos de Tortona relembram os quase quinze anos de carreira que atingiu com EVE, em 2010, uma fasquia arrojada. Melhor álbum desse ano para a organização do Roadburn, a banda foi-nos trocando alguns emails, por motivos profissionais deste vosso escriba, iniciados precisamente em terras transalpinas por antevisão ao festival barcelense. Aqui fica o que restou dessa conversa entre o Porto, o panorama italiano e o momento da banda.
Já me disseram que vocês são a banda sonora psicadélica de um filme de terror, ou a amplificação das placas tectónicas. Numa comparação mais patriótica, que eram a versão metálica do Ennio Morricone. Em pleno 2013, como se apresentam os Ufomammut ao mundo?
Vita: Pessoalmente, a ideia de compor uma banda sonora para um filme parece-me bem e considero que os filmes de terror e western spaghetti poderiam ser perfeitos para o nosso tipo de música. Eu adoro o Morricone, proporcionalmente às trilhas sonoras de outros compositores italianos como Franco Micalizzi, Piero Piccioni, Armando Trovajoli, Oliver Onions e, é claro, Goblin. Será entãoUfomammut a versão metálica do Morricone? Bem, isso é muito engraçado porque poderíamos ser introduzidos à sétima arte, com uma banda-sonora do Morricone. (risos)
Poia: Obrigado por todas as sugestões e comparações. É certamente uma honra ser mencionado em conjunto com o mestre Morricone. Neste momento – Verão de 2013 – estamos a tentar resumir ao vivo o nosso último ORO: queremos ser mais densos e menos dispersos. De seguida, estaremos prontos para a próxima evolução ou involução.
Olhando para a vossa discografia do início até ao fim, tem-se a sensação de que o conceito por trás destes últimos álbuns está longe dos primeiros passos psicadélicos/sludge de “Godlike Snake”. Durante esta viagem, onde é que realmente perceberam que a descoberta musical da banda tinha dado lugar aos Ufomammut, como os conhecemos hoje, na sua fase mais adulta?
Vita: Muitas coisas foram alteradas desde Godlike Snake, ainda que o nosso estilo seja sempre o mesmo. Por exemplo, a maneira de compor, a maneira de analisar o rock psicadélico ou a necessidade de não nos repetirmos. Após 14 anos juntos, algo mudou de curso. Em primeiro lugar, a maneira como gravámos a nossa música e a reproduzimos no palco. Godlike Snake eSnailking iniciaram um processo musical que não queremos que seja interrompido porque sempre gostamos de descobrir novos sons para novas músicas. Somos adultos, por isso, provavelmente também a nossa música já o seja…
Poia: Na minha opinião, a cada novo trabalho abrem-se novos espaços: alguns aspectos sofreram uma melhoria considerável, outros permanecem como um eco. Só agora é que estamos a alcançar, nestes dias, que as nossas primeiras músicas eram tão diferentes do ORO, em termos de composição, dinâmica e complexidade.
Urlo: É verdade. Não acho que nosso estilo foi sempre o mesmo. Nós mudamos a nossa forma de compor no espaço entre o Godlike Snake até ao ORO, estamos menos psicadélicos comparando com o início. Bem, é um tipo diferente de psicadelia. Acho que mudei muito, e como o Poia disse, ouvir os trabalhos mais antigos é estranho. Percebe-se o quanto nós somos diferentes.
Além disso, parece que a atmosfera psicadélica e densa dos álbuns anteriores se veio juntar ao peso do doom e do sludge. Um contraste entre a excelência dos instrumentos e o misticismo com que foram aplicados os sintetizadores. Para vocês, há um antes e depois de EVE na carreira dos Ufomammut?
Vita: Eu acho que para nós há um antes e depois, em 2005, quando o nosso último teclista deixou a banda. Decidimos, então, manter a banda como um power trio e começamos a usar pedaleiras MIDI para melhorar tanto em estúdio como ao vivo. Foi durante esse tempo que conhecemos o Simone “Ciccio” Ravasi (o nosso engenheiro de som ao vivo) e o Lorenzo Stecconi (guitarrista de Lento e o nosso mago em estúdio). Ambos ajudaram a aperfeiçoar o nosso som tornando-o maior e mais pesado. Com a excepção de Lucifer Songs – lançado em Novembro de 2005, e que foi algo experimental – há uma diferença notável do Idolum para ambos os registos do ORO. EVE mudou a nossa ideia de como criar um álbum, pelo menos até agora, porque se inspirou em trabalhos dos Pink Floyd como Atom Heart Mother e Meddle, um lado com um longo set conjunto e outro com canções “satélite” curtas. Ou até mesmo Jethro Tull que têm álbuns com faixas longas como Thick as a Brick ou A Passion Play.
Poia: Para uma banda underground como os Ufomammut, EVE foi certamente muito bem-sucedido e tem sido uma espécie de marco para nós, por muitas razões. Mas, se considerar estritamente em termos musicais, esse álbum acaba por ser algo “em transição”.
“Então decidimos dividi-lo (ORO) em duas partes, (…), porque pensamos que uma hora e meia de Ufomammut seria como uma festa de casamento italiana: boa comida e vinho, mas muito para o teu estômago”
Vocês consideram-se mais próximos do Jerusalem dos Sleep ou do Piper at the Gates of Dawn no acto de composição? Por outras palavras, o vosso input musical é mais sincronizado e lógico hoje em dia, ou continuam a encarar os álbuns com desafios e ideias diferentes nas vossas peças?
Vita: Pessoalmente, estou mais perto de Pink Floyd é claro, porque, com todo o respeito, não sou um grande fã de Sleep e desse tipo de “onda musical” de finais de oitenta, princípio da década de noventa. Refiro-me a Melvins, Kyuss, Saint Vitus, etc. Não odeio nem adoro, apenas prefiro ouvir o heavy/thrash metal ou hard rock, porque não me deixam triste e aborrecido. Falando sobre Ufomammut, sempre abordamos a nossa música tentando obter ideias diferentes, com um desafio permanente nas nossas cabeças.
Poia: A lição que vem de todas as bandas que amamos, dos oldiesaos novos talentos, é que tens de desenvolver o teu próprio caminho, como o fez Frank Sinatra. Portanto, nós não somos nostálgicos, nós não somos analógicos, não queremos soar comoPink Floyd em 1967, ou Sabbath em 1971, ou Melvins e Sleepalguns anos depois – bandas que eu adoro. Nós usamos amplificadores valvulados antigos porque eles trabalham melhor e, ao mesmo tempo, usamos sintetizadores e computadores porque eles funcionam bem. O nosso caminho é Ufomammut, e aborrecemo-nos facilmente se fizermos sempre as mesmas coisas.
Urlo: Eu amo Pink Floyd e adoro Melvins mas acho que não estamos a pensar em qualquer outra banda, quando criamos nossa própria música. Nós apenas tentamos ser os Ufomammut a atingir a meta, usando todas as nossas possibilidades, sem correias.
Como é que a integração na Neurot Recordings, trabalhando com pessoas que muitas vezes misturam a sua arte com a própria vida, mudou a percepção e abordagem da vossa música. Marcou um patamar superior nas vossas expectativas?
Vita: Pessoalmente, eu não estava à espera de algo maior do que tínhamos, antes de iniciar a colaboração com a Neurot. Quer dizer, eu não pensei “Bem, agora que estamos com eles, vamos ser “rockstars” famosos.” Eu sabia que era uma boa oportunidade para “ampliar” a nossa família musical lidando com pessoas como oSteve [Von Till], que está realmente interessado no mundo deUfomammut. Alguém que sabe o que significa ter uma banda e fazer música em estúdio e no palco. Ao mesmo tempo, tivemos muitas propostas de outras editoras importantes, mas pensamos que Neurot seria a ideal, o nosso “sapato da Cinderela”. Sempre tentamos dar um passo adiante e sempre será assim. Não importa a etiqueta que está contigo, se trabalhares no duro para melhorar a tua música em primeiro lugar, alguém vai apreciá-la e estará a bater na tua porta.
Poia: Como o Vita disse, ingressar na Neurot foi a escolha natural para a expansão dos Ufomammut, juntamente com pessoas que compartilham uma atitude DIY em relação à música, conservando o controlo e a liberdade do nosso próprio trabalho.
ORO foi consensualmente aclamado como um dos melhores trabalhos de heavy metal do ano passado. A construção de uma faixa dividida em dez movimentos e duas metades parece-se muito com o tempo e a estrutura de uma ópera clássica. É nesta divisão entre a luz e as trevas, o positivo e o negativo, que se encontra a essência da vossa música?
Vita: Quando começamos a trabalhar em ORO, pensamos fazer um álbum como EVE, com apenas uma música longa. Infelizmente, por trabalhar muito nela, constatamos que, no final, tínhamos uma hora e meia de álbum. A estrutura é como a música clássica, com altas e baixas dinâmicas, partes lentas e pesadas misturadas com mudanças inesperadas de tempo e músicas ligadas umas às outras – de qualquer das formas, todos os nossos discos têm músicas ligadas, sem espaço entre elas. Porém, era demasiado longo para um único registo. Então decidimos dividi-lo em duas partes, com dois lançamentos diferentes, porque pensamos que uma hora e meia de Ufomammut seria como uma festa de casamento italiana: boa comida e vinho, mas muito para o teu estômago. ORO mudou realmente algo nos nossos conceitos musicais, não sei como ainda, mas certamente consigo senti-lo.
Poia: A dicotomia de conceitos opostos sempre foi importante para os Ufomammut, por isso tens razão. O nosso próprio monicker simboliza esses contrastes.
De que forma é que as experiências ao vivo, em palcos como Roadburn, Hellfest e Stoned from the Underground, alteraram a vossa forma de tocar. Qual foi o concerto mais impressionante da vossa carreira?
Vita: Tocar ao vivo sempre foi o meu desejo secreto, quando era puto. Tocar em grandes festivais, dividir o mesmo palco com bandas que eu adorava, desde que eu era um jovem metaleiro, é o melhor “presente” possível. Os grandes festivais ensinam-te a “actuar” em palco. Na maioria das vezes, não tens um soundcheckdecente, apenas um linecheck antes do concerto, por isso não se sabe realmente o que vai acontecer. Tens que te ajustar rapidamente ao concerto e arrumar as tuas coisas, mais rápido do que antes, quando a actuação termina… mas eu adoro isso. E, na verdade, não sei qual foi o concerto mais impressionante, é difícil escolher um. Posso dizer que nós, como banda, damos sempre o nosso melhor em palco, independentemente do facto de estar no maior festival ou em frente de dez pessoas. Tens que tentar dar 100% de qualquer maneira. Dar um concerto é o melhor ímpeto que um músico pode pedir!
Poia: Houve muitos concertos com grandes multidões. Não consigo escolher um, em particular. Gostei muito do Hellfest, Stoned from the Underground, Roadburn e mais recentemente do Amplifest, em 2012, e do Asymmetry 2013, na Polónia.
Urlo: Cada vez que tocamos é uma grande experiência. Quando sentimos que a audiência nos está a dar boas vibrações, em troca da nossa música, podemos dizer que foi óptimo. Por isso, é difícil falar dos melhores gigs: provavelmente Asymmetry 2013 e Amplifest, no ano passado.
O coletivo de arte, Malleus, é um organismo indivisível da vossa música. Acreditam que a componente visual dos vossos concertos é quase tão importante, quanto o bloco sonoro dos Ufomammut?
Vita: Desde o início que os aspectos visuais são muito importantes para os nossos shows. Sem os recursos visuais no palco, algo está em falta. Pretendemos que os nossos concertos tenham projecções, porque queremos ver as orelhas e os olhos dos nossos fãs em êxtase com um show de 360 graus.
O fato de estarem inseridos numa pequena editora italiana, com bandas como os OvO ou Zolle, mostra que a Supernatural Cat é, mais do que uma label, uma família de confiança. O fenómeno em Portugal é mais ou menos o mesmo. Vocês consideram que a liberdade criativa de certas bandas está interligada à sobrevivência desses abrigos, num tempo em que tudo o que se faz tem um preço?
Vita: Quando queremos liberdade artística com uma banda, uma pequena “família de confiança” é o melhor que se pode ter, porque não há muito negócio para além disso. Geralmente, pequenas etiquetas preocupam-se com a qualidade das bandas que representam. Normalmente, não querem saber de bandas rock estúpidas com uma miúda gira como vocalista, ou alguém que tenta ser famoso à custa disso. É por isso que decidimos iniciar a colaboração com a Neurot. Mesmo o conceito de “faça você mesmo”, pode ser outra boa solução para fazer música genuína e interessante.
Urlo: A Supernatural Cat é a editora do Malleus, da qual eu e o Poia representamos dois terços. Ela nasceu para efectivar os nossos próprios discos e para ajudar as bandas que gostamos. Acho que hoje é a melhor opção, grandes editoras não são para nós. Queremos ser livres para fazer o que gostamos.
“Recordo-me de muitos fãs excitados e fiquei surpreso ao ver a cultura rock que vocês possuem, totalmente diferente da de Itália, onde há apenas “pizza e mandolino””
Algum tempo atrás, os vossos compatriotas The Secret, declararam ao nosso site que, “não há exactamente uma cena musical na Itália, em que nos possamos inserir (…) Creio que o isolamento nos ajudou a criar o nosso próprio som durante os anos. Do ponto de vista internacional, ser uma banda italiana não nos ajuda em nada, porque a nossa história dentro do rock, como país, não é relevante.” Vocês concordam com estas afirmações? Como descrevem o que está actualmente a acontecer em Itália no vosso campo musical?
Vita: Concordo com eles, não há na realidade uma cena musical em Itália. Porquê? Porque não há uma cultura de rock e as pessoas pensam que a boa música apenas vem de outros países. Os italianos amam estúpidos e falsos “roqueiros” de meia-idade, que dão o mesmo concerto e fazem o mesmo tipo de álbum há 25 anos. Ser de Itália, certamente, não ajudou os Ufomammut.
Urlo: Existem muitas bandas boas em Itália. Mas é verdade, não há uma cena. O que os The Secret dizem é verdade, o isolamento certamente ajudou a tentar ser diferente e resistir. Sobreviver e tentar “escapar”, saindo das nossas fronteiras, tanto mentais como físicas. Por isso, desculpa novamente contrariar o sr. Vita, mas eu acho que sermos italianos nos ajudou de alguma forma. (risos)
O vosso concerto no ano passado, no Porto, foi muito especial por causa da legião de fãs que vos esperavam. Lembro-me de transitar de uma fase bastante céptica para o verdadeiro êxtase, quando vocês estavam a tocar. O que recordam daquele dia? Que impressões restam da vossa primeira vez em Portugal?
Vita: Na verdade, eu recordo-me de muitos fãs excitados e fiquei surpreso ao ver a cultura rock que vocês possuem, totalmente diferente da de Itália, onde há apenas “pizza e mandolino”. (risos) Essa foi a minha primeira vez em Portugal e apesar de termos ficado os três dias de festival, não vi muito para lá do concerto. Seguramente gostei de ter lá tocado.
Urlo: Eu recordo-me que foi super fixe. As pessoas foram muito quentes. Foi uma grande experiência e passar três dias no Porto foi também maravilhoso. Estamos bastante ansiosos por reencontrar os tipos da Amplificasom, porque eles foram óptimos connosco!
E depois de ORO, o que se segue? Podem adiantar algo sobre projectos futuros?
Vita: Não sabemos ainda ao certo, estamos a trabalhar com o ICO num novo projecto, semelhante ao que tivemos com Lento(Supernatural Record One). Veremos como se sairá. SobreUfomammut, após a turnê de Outono, vamos começar a trabalhar num novo disco no final de 2013, e no próximo ano teremos o nosso 15 º aniversário, por isso queremos trabalhar duro nos próximos tempos.
Urlo: Estamos a ficar velhos. Por isso, daqui para a frente só canções folk tristes e totalmente desafinadas…