A última noite do festival levou mais gente às duas salas da baixa, num festival em crescendo. A maior afluência, em véspera de feriado, ajudou a potenciar o excelente ambiente do mesmo.
Black Bombaim
É quase certo que a grande maioria das pessoas presentes na sala já tinha visto Black Bombaim ao vivo, mas com concertos destes não há razões de queixa. O baterista Senra estava claramente animado, e essa energia foi acompanhada desde o início tanto pela banda como pelo público – se o timbre do baixo de Tojo não é perfeito para este género musical anda certamente lá perto e força-nos a entrar no groove logo nos primeiros segundos de cada música. A setlist não fugiu muito ao esperado (A, B e C de Titans eAfrica de Saturdays & Space Travels), embora B tenha sido totalmente remodelada num improviso que dificilmente teria corrido melhor e Africa tenha sido alargada para provar sem margem para dúvidas que já em 2010 prenunciava a mudança de direcção dosBlack Bombaim em Titans. O mais óbvio nos seus concertos é que esta continua a ser uma banda que cresce ao vivo e que as divagações psicadélicas recheadas de wah e delay da guitarra de Ricardo vão melhorando de ano para ano. Os Black Bombaim já não precisam de dar provas da solidez da banda, mas o público agradece.
Tom Carter
O carácter exploratório da música de Tom Carter esconde, para a maioria das pessoas, a sua tremenda importância. A julgar pelas colaborações constantes que fez com alguns nomes do mundo da música, podemos considerar que é um homem valorizadíssimo entre pares.
Na cave do Au Lait, o artista e a sua guitarra convidam-nos a viajar pela nossa própria imaginação. A multitude de vozes que o instrumento potencia e a busca incessante pelo tom perfeito. É aceitando estas regras que ele nos leva a jogo, e cultivando interessantes puzzles de delay e do lap steel, somos catapultados para um universo de imagens. Tom Carter é um um expressionista abstrato, que revela influências no sentimentalismo cósmico deJohn Fahey. A maneira como Carter trabalha a guitarra combina a elegância da influência mais clássica, a texturas originais de avant-garde. Nas suas melodias inebriantes, a palete sonora, os ínfimos ruídos, tudo conta um retrato com carga cinematográfica de nível místico, até sobrenatural. O feedback e as suas densas camadas levam-nos para a hipnose. E quando regressados dela e o concerto finda, percebemos quão simples pode ser o seu mundo, incomum e pouco ortodoxo, e ainda assim dono de uma beleza majestosa.
Endless Boogie
Estamos sempre a tentar cavar um buraco bem fundo onde enterrar o rock. Sempre a tentar conceptualizar a música, encontrar influências e inspirações para música que ouvimos. Para o concerto de Endless Boogie, o ideal é esquecer tudo isso.
A julgar pela imagem e pelo som dos Endless Boogie, parece que a Lovers e a Amplificasom compraram uma máquina do tempo que traz bandas directamente de 1973. O cabelo do vocalista Paul “Top Dollar”, o seu clássico sentido de humor, os trapos que veste, tudo são coisas que nos cativam no primeiro olhar. O rock sulista invade o palco do Plano B, entre riffs colossais e vozes abafadas. Os solos entrelaçam-se, apresentando sobretudo Long Island, disco acabado de sair em 2013. O quarteto deixa a plateia em efervescência enquanto conta histórias de miséria social e moral. As letras não são muito importantes, nem sequer as fórmulas que utilizam. Não são propriamente a banda mais original do mundo. No entanto, estão de tal maneira enclausurados na sua própria bolha criativa, que o seu concerto nos dissuade facilmente. Seja pelos riffs repetidos à exaustão, seja pelo som rústico que espelham, seja por qualquer pequeno pormenor profundamente enternecedor. O público está ocupado a abanar a cabeça, em desfrutar do groove que justifica a indulgencia. Tudo isto para chegarmos a uma conclusão. O rock não está ultrapassado, nunca estará. O rock é um estado de espírito que faz com que nos esqueçamos do arrependimento e do remorso na hora de abanar a anca. É com o sorriso nos lábios que vamos entendendo qual é realmente o plano para a noite e que o nome da banda não é mais do que o retrato fiel do concerto. Endless, pela longa maratona de rock a que tivemos direito. Boogie, porque era a dança que não parava. As longas canções de mais de 10 minutos a isso ajudaram. A longa maratona de malhas levou-nos noite dentro e a força dos seus blues divertiu-nos até à exaustão. Fizeram questão de lutar o mais possível para adiar o término do festival. Mas como sabemos, nada é eterno. Só o rock’n’roll.
O entusiasmo foi aumentando ao longo dos dois dias e, justificando essa progressão, soubemos hoje que tem um segundo round marcado, para o dia 25 de Junho, com mais dois nomes importantes em agenda. A mathrocker Marnie Stern e a banda metal Eagle Twin serão os novos protagonistas. A confirmar aqui.