Há cerca de um ano, Tiago Sousa tocava no Museu do Oriente para, ainda antes da sua edição, mostrar como soaria Samsara. Dessa vez, perante um trabalho ainda por fechar e a par de um estado febril, não conseguiu colocar em prática toda a beleza das suas composições. Volvidos quase dozes meses e com a obra criada, o barreirense mostrou-se muito mais expressivo, não só musicalmente, mas a fazer também acompanhar cada nota protelada pelo piano com pequenos movimentos corporais, mostrando, portanto, a beleza e profundidade do seu trabalho.
Perante o Laboratório Chimico, edifício de rara excelência, a envolvente e significado do local não podia ter sido mais adequada a um qualquer cientista. Neste caso, a um artífice das teclas e da melodia. De costas para o anfiteatro e perante o seu piano de cauda vertical, Tiago Sousa e a música de Samsaraassemelhavam-se a uma experiência química. A cada toque nas teclas, qual colocação de gotículas de elementos ou soluções químicas, surgia a sensação que se estava a construir e a caminhar para algo concreto e para a formulação de uma qualquer componente mágica num tubo de ensaio.
Tiago Sousa tocou com uma suavidade tal que se tornou clara a relação sentimental e de pertença entre dois corpos. O animado do indivíduo e o inanimado do piano que com ele ganhava vida. Dele se extraíram as melhores melodias e desse instrumento de trabalho se retiraram as composições perdidas e tocantes, indo ao encontro de etapas reais. Samsara pretende ser isso mesmo, a demonstração da repetição do ciclo da vida, englobando o nascimento, a morte e a reencarnação. Os vários temas e os seus tons percorreram esses estadios, a origem, o abandono, mas também a recuperação da existência.
O piano é uma perdição. Um instrumento que consegue transmitir um sentimento de perda e de ausência, mas também de pertença, felicidade e proximidade. Contudo, serão os sentimentos de melancolia e desolação, que melhor se exprimiram. O autor de Walden Pond’s Monk, com a sua mestria, conseguiu transpor essas noções, dedilhando uma sensibilidade pura e transparente de nostalgia e tristeza, mas também de paixão. No fundo, como com o fechar de uma cortina em que nos vai sendo tapada a visão dos elementos exteriores. Com o seu percurso e a construção dos vários temas, fomos sendo levados para a profundidade e para o recato do nosso espaço, dos nossos pensamentos e preocupações.
Apesar de admitir que não faz encores, a forte celebração que o público lhe reservou no final do seu alinhamento, a isso obrigou. Será difícil averiguar se com o seu novo registo terá conseguido a consagração e um ainda maior despertar para o seu trabalho. Mesmo que não seja dessa forma, não terá sido inócuo a nenhum dos presentes o facto de terem assistido a um saudoso fim de tarde na companhia de um dos grandes.