Ontem à noite dei por mim a pensar novamente que o Thurston Moore é um dos três tipos mais fixes do mundo (não, não digo quem são os outros). Apesar de ser um pensamento acertado e recorrente, continuo sem saber se é pela t-shirt que tenho lá por casa ou pelo registo delicodoce de Demolished Thoughts. Mas há qualquer coisa nele que me fascina.

Já arriscaram que seria o facto de pertencer à melhor banda do mundo, já me disseram que é pelo carisma de irmão mais velho que nunca tivemos, mas para mim é essencialmente isto: em tudo o que valha a pena tentar, lá vem ele de trejeito arisco para o risco, pronto para deitar mãos à obra. Fá-lo sempre em grande, sabemo-lo pelos discos e escritos, mas quando vem a palco vem como se de um desconhecido se tratasse, alguém a quem um tímido olá é quanto baste para fazer brotar em nós rios de simpatia e risos de alegria pela humildade inesperada de quem está habituado a conquistar o mundo várias vezes ao dia.

A idade é só um número que se estende no tempo e no caso de Thurston até e já lá vão 53 – ena, tantos? – mas não sabendo, também não o diríamos. Afinal, nos últimos trinta andou ocupado a revestir-se de espírito e coragem para mandar à fava a melancolia da idade e abraçar a inocência de ser um puto fascinado com uma guitarra e um pedal de distorção. Ontem, abriu com Orchard Street, mas na verdade tanto fazia. Podia ter aberto com a simplóriaHonest James. Podia até não ter feito mais para além do número baseado em feedback e distorção que surgiu no final de Orchard Street. Podia ter feito pouco mais do que para lembrar que a vida é um castigo que merece ser vivido, a menos que queiramos – como ele parece querer – olhar para ela com desprendimento e um sorriso.

Por onde quer que começasse, ele ia estar ali, para sempre divertido e fascinado qual miúdo com um brinquedo novo. Nós íamos com ele, para aquele mundo onde o tempo não corre. E o que nós o invejamos por conseguir ser assim. Jovem, irreverente, criativo e de bem com a vida. Aqui e ali, Moore e a sua banda (composta por Keith Wood, Samara Lubelski e John Maloney) desencontram-se com esse tempo paralelo que corre apenas no Teatro da Trindade e onde mais nada se passa ou importa. Aqui e ali, o violino cumpre um caminho próprio que nos vem lembrar que isto não é Sonic Youth, mas também aí, com o cabelo à frente dos olhos, Moore pula com entusiasmo adolescente próprio de quem está feliz por ter subido ao alto do púlpito.

E por mais que se estranhasse aquele bicho estranho ao peito, aquele corpo acústico de doze cordas, a progressão natural das coisas – e a(s linhas de) guitarra que lhe conhecemos de outras andanças – deixava adivinhar que Moore não tardaria a retumbar da beleza pura da criação para a beleza atroz da destruição. Do alto daqueles dedos estão trinta anos de rebeldia e mentalidade irrequieta própria de um beatnick exasperado que pontificou – hoje e sempre – nos Sonic Youth.

Por isso é que, quando Circulation irrompe em vertigem demente e concêntrica ,levantamos as mãos em frenesim estático; por isso é que agradecemos uma See Through Playmate aguerrida; por isso é que os toques folclóricos são perenes e Queen Bee and Her Palsse impõem em tom evocatório. É que Thurston Moore é Thurston Moore e traz em si a liberdade de ser eternamente jovem e louco.

Thurston Moore tem tanto de Chapeleiro Louco como de Coelho Branco e consegue prender-nos a um mundo que, mesmo falso, é trágico e delicado e onde no final do dia, sem como nem porquê, acabamos a sorrir com ele. Sem melancolia.