Os This Routine Is Hell protagonizaram um fenómeno, dos que justificam toda a juventude desperdiçada, toda a fúria acumulada, e toda a incompreensão a que nos sujeitamos. No almaemformol, na sexta-feira passada, os holandeses desceram à cave para, em cerca de meia-hora, partirem duas vezes uma bateria, fornecerem ao público um escadote como adereço acrobático e provocarem um motim de felicidade e êxtase a culminar em Minor Threat e na “Territorial Pissings” dos Nirvana. Se alguém disse um “adeus” digno a Kurt Cobain, foram os autores de “Howl”, fazendo tudo mal, para deleite de quem ainda tinha algum sangue para pulsar pelas guelras.
De um disco gravado, em todo o seu esplendor, nos incontornáveis Godcity Studios, no Massachussets americano, de onde têm saído alguns dos registos mais essenciais da música pesada graças ao condão técnico-DIY de Kurt Ballou, para uma das caves mais podres do Porto vai mais do que um oceano Atlântico. Há mares de excelência que se perdem, e o ajuste é compensado pela vontade de fazer mossa, ou de virar em tempestade a acalmia de um final de tarde na Rua do Almada. Na altura em que pegaram nos seus instrumentos e passaram um escadote para o que viria a ser o epicentro de um moshpit, já se sabia para o que vinham os holandeses.
© Daniel Sampaio
Foram duas músicas até que se partisse o pedal do bombo da bateria, e poucos minutos até que a tarola fosse substituída devido a lesão grave; foram uns dez segundos até ao primeiro mergulho a partir do escadote; e foi um instante até que as costas nos parassem de doer — já ninguém estava “Asleep” quando os holandeses a ela se fizeram. De “Howl”, tocou-se ainda “Cancer”, numa actuação irmãmente distribuída pela discografia da banda e com três covers a adoçar a vontade de errar da audiência, com a homónima de “Minor Threat” a recordar-nos a todos de que, ainda que sejamos os mortos, como dizia Orwell, não temos desculpas para não representarmos perigo e sermos todos ovelhas negras. Os riffs à Cursed, entre cuspidelas típicas core, numa amálgama de imperceptível e clareza mínima levaram ao furor, numa justificação do rubor que se imponha nas faces de sorriso rasgado.
Não foi só com os This Routine Is Hell que se celebrou o fogo, ainda que apenas se tenham provado os incríveis fenómenos de combustão instantânea que proliferavam nos mitos de há séculos com o quarteto dos países baixos. A abrir, os Cruelist derramaram bílis pelo público com crust pejado de mácula, com os Shitmouth a fazer o preâmbulo bem hardcore à moda da velha escola para os holandeses. A nota de destaque da primeira parte vai, no entanto, para os jovens Elijahscult, que despejaram riffs stoner com a pujança de uns Sleep. Fizeram-se alguns covers e arranhou-se o génio de Kyuss, ficando a nota de promessa para o chavasco.
Às vezes, a partilha vale mais do que tudo o resto. No almaemformol, pelas mãos da Ruins em colaboração com a Six Pack Bookings, é essa a regra. As excepções (recordar-me-ei sempre de Cowards) vêm apenas cunhá-lo com excelência.