Os gigs de hardcore punk, por mais diminuto que seja o espaço onde ocorrem, tornam-se sempre maiores quando a catarse surge. Os This Routine Is Hell, pensadores por essência, compreendem a História de um movimento que lhes precede o nascimento, e em palco libertam os seus mais fundamentais atributos: genuinidade e intensidade.
A incitação inicial, feita sob as palavras do vocalista Noam Cohen, confirmam-no: “Lembram-se de quando alguém vos chamou feio? De quando a vossa namorada deixou de vos amar? Este é o sítio onde poderão libertar todas essas frustrações.” E vendo que àNostalgia ainda poucos correspondiam, o holandês desceu e arremessou-se contra a plateia, obrigando-a a retaliar – tudo perante o espectro de Allen Ginsberg, pertinentemente pairado sobre “the best minds of my generation destroyed by madness”, sentença Howl-esque berrada sem tréguas. Também lá de cima, do tecto, o estuque desprendeu-se em concordância com umNoam que tinha acordado para ver o mundo Go Wild, solto das amarras da dívida, do crédito, do dinheiro; discurso tão acertado para nós, portugueses, e por isso violentamente respondido com side to sides capazes de se fazerem sentir por São Bento – se alguém lá estivesse.
Foram, aliás, as incursões às mais antigas memórias que maior pandemónio provocaram: Repulse do seu EP ou a dupla de 2010Crooks & Robbers / The Verve Crusade varreram selvaticamente o Clube Recreativo dos Anjos, já depois da gingona Asleep, malha que é tão brilhante ao vivo quanto em disco. “We’re done”, disseNoam ao guitarrista Bram. Done? Então e a promessa da Territorial Pissings dos Nirvana, feita na primeira pessoa aqui ao PA’? Bem nos parecia. Turbilhão final, agora sob o fantasma de Kurt Cobain, que há trinta anos era um miúdo de revolta tão semelhante àquela dos que se despediram a stage dives dos This Routine Is Hell.
A linha da frente que os precedeu mostrou o que de bom temos por cá – bastava assistir à cara de espanto dos holandeses durante os concertos de abertura para perceber que a cena portuguesa respira a plenos pulmões. Os A Thousand Words, mesmo por entre uma Cursed tocada a dois actos e um microfone que teimava em sabotar os seus berros, estão já naquele patamar em que a sua presença lhes chega para instalar um clima de tensão na sala.
Crispadura e fúria que só aumentam com os assimiladíssimos temas de Sinners; pelo observado, muito em breve se lhes juntarão os de Vivre Sa Vie, aos quais a resposta do público começa a despontar.
Aos Local Trap que ninguém lhes requeira bons tratos: é hardcore perverso, abastecido pelo insociável sludge inspirado no ódio dos Iron Monkey e dos Noothgrush. Na penumbra, os nortenhos apresentaram um curto mas colérico set, onde nem os também recorrentes problemas com os microfones retiraram força aColheita de Sangue.
Antes, os Kids Decay juntaram-se aos The Skrotes para thrashcore sem enfeites e os Ash Is A Robot provaram que os Glassjaw também inspiram bandas portuguesas. Post-hardcore bem feito, uma Rather Be Dead dos Refused sempre acolhida com gosto, e uma ventoinha amolgada por um incansável vocalista.