Numa altura em que a crise parece mais importante, em que a sobrevivência de um estilo de vida, em vez da própria vida, ganha prioridade, admita-se já que até eu me esqueci, por momentos, de ouvir as palavras puras, mais do que brilhantes, de Efrim Menuck e companhia. Kollaps Tradixionales não cai do céu. Desde 2008 que vivemos uma crise à moda antiga, em que a falta de dinheiro afecta, acima de tudo, o menos importante para que se mantenha o que deveria ser supérfluo, e o último álbum do colectivo Silver Mt. Zion data precisamente dessa altura. Apesar de não se assumirem como uma banda politicamente activa, as suas temáticas são obviamente incendiadas por ideais revolucionários e isso nota-se nas letras. Infelizmente, esta crise surgiu durante o conturbado processo de composição deste álbum — ou atrevo-me a dizer que, felizmente, houve mais uma crise para os inspirar.É esse idealismo que mais contamina a música dos agora Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra & Tra-la-la Band e as tonalidades com que estes a pintam, numa alegria esperançosa que entristece pela sinceridade com que é cantada e tocada. É uma alegria verdadeiramente ambígua e que atinge as pessoas muito consoante o estado de espírito. Mesmo que muitas vezes as letras rocem o cúmulo da abstracção, as composições fazem a contextualização necessária para qualquer ser sensível.
Por todo o contexto em que surgiu, Kollaps Tradioxionales traz essa característica máxima dos canadianos, desde There is a Light, em que no fim todos cantam, como que a pedir, “tell me there’s a light [diz-me que há uma luz]”, em que se canta a esperança, ou à música que lhe segue, I Built Myself a Metal Bird, onde se grita o mais odiável, passando pelo final característico, ‘Piphany Rambler, onde se entoa a esperança em toda a humanidade.
Mas idealismos à parte, musicalmente nota-se, claro, mais uma evolução, ou antes uma ruptura com o recente passado musical da banda, muito devido às perturbações no alinhamento dos Silver Mt. Zion: de sete passaram a cinco, com saída do teclista/segundo guitarrista, da violoncelista e do baterista, juntando-se, finalmente, David Payant, encarregue das baquetas e devido material para agredir, a Efrim Menuck, Jessica Moss, Thierry Amar e Sophie Trudeau.
Na verdade, não é anormal que o percurso dos canadianos tenha seguido uma direcção completamente diferente da que seria natural com o último trabalho, visto que sempre foi essa a sua normalidade, a de mudar imensamente de álbum para álbum, mas em Kollaps Tradixionales caíram para segundo plano algumas características que já os acompanhavam desde Godspeed You! Black Emperor: alguns dos elementos mais “típicos” do pós-rock, desde as baterias mais lentas e corridas, à prioridade da ambiência relativamente à musicalidade. Ou seja, não ficaram esquecidos (pelo contrário, ainda se nota que eles sabem fazer o dito rock prefixado), mas já não são esses que nos chamam a atenção.
O que nos chama realmente a atenção são as características mais rock, puro e directo, deste álbum. Tem força e balanço graças às novas baterias, claramente fora de tudo o que é habitual no género, mais fortes e impositivas; tem baladas e malhas a rasgar, num contraste que se nota logo nas primeiras duas faixas; e, acima de tudo, tem o melhor dos Zion, que são as orquestrações, as narrativas sem estrutura pop e a eficácia das músicas, que não deixam ninguém indiferente e que, felizmente, não se perderam com a saída de outros elementos. Chega, mesmo, a haver o regresso do piano triste e seco que caracterizou os seus primeiros anos e as primeiras lamúrias.
Este é um álbum musicalmente muito bem conseguido, como são todos, para dizer a verdade. Este tem, apenas, o melhor do rock, do pós-rock, e dos Silver Mt. Zion. Não que seja o melhor deles, mas há que admitir a evolução e o crescimento. Trata-se acima de tudo de um álbum que insurge contra um capitalismo repetitivo e decadente. O melhor é que não leva os canadianos com ele — quanto mais o capitalismo se esgota, mais a música desta “instituição” cresce.