Mais uma noite negra na Invicta, com bom peso no Porto-Rio. Esta seria a forma mais sucinta e eficaz de descrever a investida de ontem dos Ocean com os portugueses Crushing Sun sobre o Douro. Acima de tudo, e faça-se justiça, foi uma noite que não teve a assistência que merecia.

Foram dois concertos a transpirar energia, peso e mesmo uma pitada daquela violência que só as distorções mais hormonais conseguem espalhar. Não houve praticamente um encontrão, pelo menos entre membros do público, mas no fim da noite registaram-se muitas dores de costas, ou derivadas dos cabeceamentos da praxe, ou simplesmente resultado das vibrações intensas dos sons mais graves, que abundaram.

The oceO quarteto de Vila do Conde Crushing Sun tocou 45 sólidos minutos, mostrando o álbum que deverá sair entretanto, Tao, e mostrou-se capaz de dificultar a vida aos suíços Ocean — uma tarefa verdadeiramente complicada, dada a energia destruidora deles. Começando o concerto com duas músicas mais directas e pesadas, levaram o público pelos seus momentos mais Death Metal para, no fim, deixar toda a gente com a cabeça à roda: se o início da actuação dos Crushing Sun foi marcada pelos palm mutes e pela rifaria da lixada, calmamente, estes nortenhos foram amenizando a música, adornando-a de melodias complexas e apresentaram uma mistura muito promissora para o álbum de estreia: mostraram, acima de tudo, que a mistura Crushing Sun, com muito de Death Metal, com alguns momentos Doom e até com aquela magia das guitarras cheias de delays e em loop, é muito eficaz, destacando-se aqui a dupla de músicas Teri Hatcher (sim, a dona Lois Lane agora conhecida como dona de casa com problemas em manter a calma) e Love.

Provaram também serem músicos versáteis e belos executantes: um guitarrista que tanto faz o peso como a melodia com toda a eficácia, um baixista que segura a música e usa as quatro cordas (!!!!), um baterista que sabe bem como dar a força à música e um vocalista com uma voz possante e com a capacidade de ilustrar as suas músicas em palco de forma absurdamente eficaz (simulando explosões com as mãos e personificando as próprias músicas, gesticulando as suas possíveis reacções, só para dar alguns exemplos). Só de olhar para Bruno Silva, era possível acompanhar a música e as suas dinâmicas.

Depois de uma pequena pausa, os suíços testaram os seus instrumentos e atacaram o público, algumas vezes literalmente, com a sua violência oceânica. Agora como banda e com um vocalista menos gritante, mais melodioso, arrancaram o concerto com uma música do novo Heliocentric. E quanto a isso, vou-vos fazer uma confissão. Vi a minha vida a andar para trás. Havia decidido embarcar de Coimbra para o Porto para ver dois óptimos concertos e, por momentos, estava a ver que só ia levar metade do que queria na memória. De repente, The Ocean, aquela banda brutal, grandiosa, que soam como se pudessem mandar paredes abaixo, soavam a Rock — e era aqui que se sentia a presença deste novo vocalista, que coloca em segundo plano o growling poderoso que caracteriza este tipo de sonoridade.

Posso, no entanto, anunciar que tudo mudou quando a banda, que se apresentava com dois guitarristas, um baixista, um baterista e um vocalista, fez soar um sample de Precambrian. Nada mais nada menos do que Mesoproterozoic: Ectasian. Um teste ao poderio vocal do badalado novo elemento e à capacidade hormonal os Ocean, claramente afectado no início do concerto. Nesta altura mostraram toda a sua força, subindo para cima da bateria, saltando de cima do palco contra o público e agitando as guitarras de forma agressiva o suficiente para arrancar cabeças e dentes. E, claro, fazendo o Porto-Rio tremer com as suas músicas.

Para mim, fã confesso do álbum Precambrian, não poderia ter havido melhor forma para ouvir o mais recente Heliocentric. E esperei mesmo por este momento para ter a experiência de ouvir a música pelas mãos destes senhores em pele e osso. A primeira experiência revelou-se, sim, traumática, mas passadas as incursões pelo trabalho mais aclamado da banda, os Ocean entregaram-se a um desfecho épico só com músicas novas e, retire-se-lhes o chapéu, eles continuam com tudo no sítio. Com as referências certas todas, indo mesmo buscar alguns clichés, mas usando e abusando deles sempre com excelência, mostraram que de Heliocentric só tem mesmo que se esperar um peso incrível e composições óptimas.

Depois de um saída faseada, em que cada elemento, após a acalmia da música, largava o seu papel e agradecia, ficando só o baixista num belo solo e o baterista a marcar o ritmo no fim, deu-se o encore. Só para enfatizar, o encore. For The Great Blue Cold Now Reigns, também de Pecambrian, que arrancou sing-alongs, headbanging como tudo e arremessos de guitarras. Não haveria melhor forma de acabar uma actuação.

Para terminar, duas coisas a sublinhar: os Ocean merecem mesmo qualquer viagem que se possa fazer; quem acha que Portugal não tem bandas de nível internacional devia ouvir algumas destas coisinhas mais extremas para repensar as suas considerações. Pode não mudar de opinião, mas aposto que terá um momento de introspecção.