Era com expectativas altíssimas que ansiava este regresso a solo, no Campo Pequeno, de uma das maiores bandas de culto dentro das nossas fronteiras. Os The National são daqueles nomes que vêm cá regularmente, e até mais do que uma vez por ano, com um culto que parece crescer de ano para ano.
E como poderia não o ser, sendo eles a banda que são? Boxer é uma Obra-Prima absoluta, tal como Sad Songs for Dirty Lovers eAlligator foram dois grandes discos, e este último, High Violet, manteve o nível de sempre. Estava na mesma situação que muitos dos presentes na sala: prestes a voer novamente ao vivo uma das minhas bandas favoritas. Sou fanático assumido, e pelo que via, não era o único. Entram os Dark Dark Dark à hora em ponto, e assiste-se a uma excelente primeira parte. Canções bem construídas, com uma belíssima vocalista, em pouco mais de 40 minutos que nunca aborrecem nem perdem interesse. Tarefa ingrata, a de fazer primeira parte para uma banda de culto como os The National. Tarefa ainda mais ingrata fazê-lo em Portugal. Mas safaram-se muito bem, e a qualidade é inegável.
Passa um pouco das dez quando as luzes se apagam num Campo Pequeno de tecto aberto (bonito cenário), e a tela de projecção do palco se ilumina.. Está violeta. E é sob um manto dessa cor que entram em palco os The National, perante um público já histérico ainda antes de terem começado a tocar. E quando soam os primeiros acordes de Star a War, a magia começava. É aquela tensão na guitarra que não se liberta, aquela bateria que cobre tudo, aquela voz profunda que cala tudo e todos, é aquilo que eles fazem tão bem. O público já estava ganho. O primeiro grande momento vem, como seria de esperar, com a regular e obrigatóriaSecret Meeting. E nela está tudo o que faz dos The National os The National. Dou por mim com lágrimas nos olhos sem saber porquê, vejo na plateia outros na mesma situação, e oiço gente a cantar “I had a secret meeting in the basement of my brain” com profunda devoção. Por trás vão passando imagens na tela, mas que interessam? O que interessa é a banda. É a forma como Berninger berra, perto do final, aquelas palavras que nem o resto da banda sabe quais são (a sério, só ele é que sabe), é a forma como os gémeos se contorcem enquanto tocam guitarra, a forma como tudo encaixa tão bem, ascendendo ao épico. Que nunca deixem de a tocar.
O som está surpreendentemente bom, e tudo resulta surpreendentemente bem numa sala onde podia facilmente ser o contrário. Vão agradecendo, falando ocasionalmente com o público com a confiança que Portugal, país tão fiel, lhes proporciona. Grandes momentos atrás de grandes momentos, sucedendo-se de forma contínua e perfeita. Squalor Victoria? Apoteótica. Em disco é das mais fracas de Boxer, mas ao vivo ganha uma dimensão completamente nova. Afraid of Everyone, saída de High Violet, assume-se por seu lado já como simplesmente uma das melhores canções do grupo. O final, arrebatador em tudo, com a banda a gritar “Your voice is swallowing my soul, soul soul!”, é simplesmente dos melhores momentos que os The National podem dar. A passagem por Abel(“Aqui vai uma canção furiosa para vocês!”, diz Berninger) é, como seria de esperar, incrível. Gargantas a doer, lágrimas nos olhos, e Berninger desvairado pelo palco a gritar que a sua mente não estava bem. Apoteose completa, um daqueles momentos que só eles conseguem dar.
O alinhamento concentra-se maioritariamente em High Violet, como seria de esperar, mas a banda sabe o que faz. Repescam All the Wine, uma oldie que é um luxo ouvir ao vivo, e dão-na de bandeja aos fãs mais fiéis. E não muito depois atiram-nos comLucky You (“Já escrevemos canções tristes, mas esta é mesmo a mais triste de todas”, diz Berninger), a única tocada de Sad Songs. Momento indescritível, proporcionado por uma das melhores canções de toda a carreira da banda. É, simplesmente, rrebatadoramente bela. Não são poucos os que vejo a chorar.Fake Empire encerra o corpo principal com um coro assustador por parte do público e trompetes que arrepiam. Aquele piano deve colocar lágrimas nos olhos de muita gente. É das mais populares da banda (foi até usada por Obama na sua campanha…), e nota-se. Lindíssima. Acenam, saem do palco, e a sala quase vem abaixo com os assobios. Não tardam a regressar, e com a grande surpresa da noite. “Esta é para vocês, Portugal, vocês é que pediram. Tenham cuidado com o que desejam!”, diz Aaron. Friend of Mine, uma das mais belas de Alligator que nunca, nunca é tocada ao vivo, enche o Campo Pequeno. Nota-se que realmente não a tocam: está um pouco mais despida, ainda que sem falhas. Mas é um momento perfeito, um easter egg de ouro para os maiores fãs do grupo ali presentes. Momento único. “Só a tocámos uma vez antes, há sete anos atrás”, diz Aaron. “Quase que acertámos, desta vez…”, continua, perante os risos do público. “Sabemos tocar bem a próxima”, diz Aaron. E chega então mais um dos inevitáveis apoteóticos e grandiosos momentos da noite.Mr. November chega, cria uma apoteose que trespassa o público e é mais um daqueles momentos que caracterizam os The National. Canção incrível. Terrible Love vem a seguir e é, talvez, a canção mais assumidamente apoteótica e épica canção da banda ao vivo. Em crescendo constante, e com Berninger a ir ao público e a avançar até metade do lado direito da plateia. Genial.
No final, com Berninger de volta ao palco, voltam a sair… e depois voltam a entrar, para algo que, segundo as setlists vistas, não faziam há muito, muito tempo: um segundo encore. Portugal está, de facto, bem próximo do coração da banda. E com o segundo encore chega aquela que é, sem dúvida, a mais triste canção da banda (Lucky You vem em segundo…): a magnífica About Today, que ao vivo tem um poder apenas explicado se visto. Emocionalmente devastadora, sonicamente perfeita (aquele final, aquelas guitarras…). De seguida largam as guitarras eléctricas, pegam em acústicas unplugged, e aproximam-se todos da berma do palco. “Ajudem-nos com esta”, diz Aaron. Sem microfone à frente, Berninger começa a cantar. Ao fim de alguns segundos, o público cala-se. Vanderlyle Crybaby Geeks, poderosíssima e em versão unplugged, cria um momento que ficará na cabeça dos presentes por anos e anos. Todo um Campo Pequeno a cantar baixinho e em pura devoção, como só este grupo conseguiria fazer, acompanhando a banda numa das mais belas canções deHigh Violet.
As lágrimas voltam a subir aos olhos, e o momento enraiza-se na memória. Voltam a sair, com um sorriso do tamanho do mundo, e não voltam. Mais um concerto grandioso, mais uma prova de amor entre banda e público. É um caso de fanatismo justificado, com discos e concertos ambos geniais. São, ao vivo, espantosos na forma como trabalham as canções e as tornam em autênticos monumentos. E casos de amor assim são raros. Mas mais raros são quando ambas as partes se entregam assim tanto uma à outra. A certa altura do concerto, Berninger olha para baixo e vê um cartaz de uma rapariga, na grade, a pedir para tocarem a Ada(uma das suas melhores de sempre). Desce do palco, vai desculpar-se por já não a tocarem, e dá-lhe um copo de vinho. Que raio de banda faz isto? Os The National. Apenas os The National