Se avaliar um disco dos The Knife sempre foi uma tarefa a roçar o imbecil, Shaking The Habitual retoma essa problemática. É injusto construir uma reflexão sobre um algo que está em constante mutação e inconstância, sendo que, por incrível que possa parecer, as opiniões e os predicados atribuídos podem ser tão díspares e ambíguos a cada nova audição. O quarto álbum de originais dos suecos é o documento musical mais difícil e ambicioso alguma vez por eles editado, levando a um patamar ainda mais elevado o experimentalismo que se sentia na colaboração Tomorrow, In a Year.
Os sete anos que estiveram arredados dos originais adensaram a expectativa por novas incursões. Contudo, mesmo as mentes mais visionárias não poderiam esperar um tamanho revés em relação às sonoridades reveladas em Silent Shout. Se os The Knife ainda precisavam de mostrar independência ao esperado, Shaking The Habitual vem novamente comprovar que, na boa verdade, eles se estão literalmente borrifando para aquilo que pode ser esperado como consensual. Na verdade, quem imaginaria que poderiam gravar temas meramente ambientais como Old Dreams Waiting to Be Realized? Quem poderia supor que as vozes de Karin Dreijer se tornariam ainda mais desafiantes, secas, distantes e frias? Ninguém estaria preparado para uma tal demanda musical com que fomos brindados. Os The Knife criaram história e deram, literalmente, uma valente biqueirada em tudo aquilo que tinham concebido.
Se Deep Cuts se tornou o longa-duração mais imediato, o novo registo questiona por completo essa sensação. Shaking The Habitual dá trabalho e, para bem de todos, vem desafiar e vem contrariar a cada vez mais corrente tendência do conceito de música como algo para ser consumido num curto espaço de tempo. Dificilmente fará parte das prateleiras da memória, pelo contrário, mostra-se como um disco que perdura e puxa constantemente as cordas da nossa perspicácia enquanto ouvintes de música, tendo a capacidade para se tornar num companheiro próximo.
Curiosamente, aquilo que muito se desfrutava dos irmãos Dreijer, com a sua sonoridade electro a roçar em partes o pop e noutras o minimal é, desta feita, quase redutor. Os sintetizadores, quando utilizados, são tomados por uma experiência quase obscura e pormenorizada que nos deixa incrédulos com a inesperada adição de pequenas partículas, como se pode ouvir em temas como Full of Fire ou Without You My Life Would Be Boring.
Shaking The Habitual consegue quase o impossível: fazer-nos perceber que os The Knife de Silent Shout e Deep Cuts estão já noutra dimensão e, também, levar-nos com eles a rejeitar esse passado. Este ano será, sem dúvida, marcado pela obra de arte musical que criaram. Só nos resta sentir o enorme prazer por ter a possibilidade de, depois de tantos séculos de música, termos a possibilidade de acompanhar a progressão e as construções sonoras de uma banda como esta.