Vou ser sincero: o exercício da crítica é pedante. Ou, antes, é, mas não o deveria ser. Criticar o trabalho dos outros não é um exercício tão válido que mereça ser levado a sério, nem sequer que deva ser tomado com algo menos do que uma opinião. Na melhor das hipóteses, deve ser divertido, por muito cheio de si que seja – ou seja, deve ser o mais parecido possível com os Tera Melos.
O trio norte-americano subiu ao estrado do Maus Hábitos do Porto já a noite ia avançada e já os Savanna, os Eating Thunder e os Equations (sim, os Equations. Já lá vamos) tinham pisado o mesmo espaço. O cansaço sentia-se nos corpos, mas enquanto os math-rockers estiveram a tocar, o entusiasmo juvenil era geral. Isto porque, entre distorções, dissonâncias, samples e complexidades rítmicas incompreensíveis, os Tera Melos mostraram ser, acima de tudo, uns putos com a sorte de estar a tocar para uma sólida meia centena de pessoas que gostam da sua música, depois de já o terem feito vinte e oito vezes nos últimos dias, e de terem de o fazer mais trinta nas semanas que se seguem.
Uns putos entusiasmados, que nem se dirigiam aos seus interlocutores pelo microfone, mas numa conversa normal, de voz elevada para garantir que a mensagem chegava a toda a gente. De sorriso na cara, admitiriam que “o set chegou ao fim, oficialmente. Mas [estavam] a gostar tanto que [decidiram] tocar mais,” atirou o vocalista/guitarrista Nick Reinhart, para acrescentar: “Nós não fazemos essas coisas de sair e voltar a entrar. É ‘queijoso’. Quem faz isso são os Nickleback.” Portanto, os Tera Melos aproveitaram a oportunidade para mostrar que também são utilizadores do motor de busca do PA’ e para se fazerem a mais um sólido quarto de hora de música soalheira, mas demasiado complexa e distorcida para se levar à rua sem trela.
Foi nesse ambiente de contenção de entusiasmo motivado por desenvoltura técnica que a banda colocou sorrisos num público que teve uma noite nem sempre tão entusiasmante, ainda que numa coerência a que os norte-americanos não devem estar habituados. Os Eating Thunder parecem ter sido formados num ensaio de Equations, não só por serem pouco mais de metade da banda, mas porque trazem uma metade muito essencial do seu som, a começar pela voz esganiçada como o de um rato Mickey a ser esfolado, ou pela percussão e por uma guitarra matemática. O desafio está nisso mesmo: apenas uma guitarra. Convenhamos que o som não fazia jus às capacidades de Vítor Barros, senhor-cordas em questão, que cedo se viu ajudado por uma invasão de palco dos demais membros que assinaram o lançamento deFrozen Caravels, este ano. Os Equations revelaram ser, por isso mesmo, uma introdução perfeita para o fecho da noite, trazendo a força que uma só guitarra não tinha para competir com o entusiasmo da bateria e consigo arrancar um som mais nítido da mesa – não me perguntem como é que mais confusão traz mais clareza, que eu não sei como é que tal aconteceu.
Já os Savanna, que actuaram segundo período da partida de três, protagonizaram o concerto menos consensual. Com uma formação clássica em palco, de bateria, guitarra, baixo e teclas, o quarteto foi dar a primeira volta por Aurora, registo de estreia, na Invicta. Soando a uns Pink Floyd sóbrios, com todos os defeitos que tal pode acarretar, esboçaram ter, apenas, algumas ideias para propor ao debate dos think tanks musicais de Portugal, que começam a ter argumentos muito sólidos. Nesse aspecto, osSavanna ainda não têm a sua argumentação no ponto. Felizmente, não faltou riffs decentes para aguentar a espera pelosTera Melos, que fizeram questão de gritar na cara de toda a gente.