O dia 3, para além das habituais dores musculares provocadas pelo cansaço acumulado, trouxe a chuva a sério até Barroselas. O que até acabou por não ser totalmente mau: pelo menos, criou-se uma certa coerência. A lama visitou os festivaleiros, num 1º de Maio que levou ao Minho duas bestas que metem sludge nos seus atípicos cozinhados: Soilent Green e Today Is The Day.

Olhando para os horários, percebia-se que este seria também o primeiro dia sem cancelamentos. Afinal, não foi. Os Frontal, designados pela organização para fechar o festival, acabariam por não aparecer. Da minha parte, e da de muitos outros, só temos a agradecer aos franceses. É que os Göatfukk acabaram por substitui-los ao melhor estilo, dando um memorável concerto de encerramento. O que aconteceu para lá do término oficial do SWR, noite adentro, fica fora deste relato, até porque what happens in Barroselas stays in Barroselas.

Cryptor Morbious Family [Palco 2]

Nunca é tarefa fácil para uma banda começar um dia de festival, ainda para mais às 15:30, hora em que se dá primazia a outras coisas que não os concertos. Todavia, este grupo de Grândola (que não foi o único da vila alentejana a actuar neste dia, também os Steven Stitches vieram de lá para ganharem a viajem até Wacken) aplicou a energia possível para tentar contrariar os factores circundantes. Com um som groove/industrial sem grandes pontos de interesse, os Cryptor Morbious Family receberam aplausos pelo esforço despendido.

WAKO [Palco 1]

Não deixará de ser estranho notar algum retrocesso nesta banda, principalmente depois de voltar a estar em voga com o novo álbum Deconstructive Essence, e também depois dos incidentes ocorridos na abertura do espectáculo de Slayer +Megadeth, no Pavilhão Atlântico – recorde-se que, por motivos não totalmente clarificados, a banda portuguesa foi impedida de abrir a noite, apesar de se encontrar no local.

Casos à parte, os WAKO não parecem ter conseguido grande evolução criativa, algo que é verificável com a performance ao vivo das novas músicas. E quem os viu, como eu, há uns anos, nota igualmente um decréscimo de energia ao vivo – algo possivelmente provocado pela falta de ambiente no palco principal. Ainda assim, uma desilusão.

Ava Inferi [Palco 1]

Desilusão parte II. Outra banda que anda nas bocas do underground mas que ao vivo, pelo menos, não justifica o hype. Os almadenses não conseguiram que a sua sonoridade gótica imperasse no SWR, acabando por ser um concerto sem história e que caiu rapidamente no esquecimento. A própria coesão da banda não esteve no seu melhor, o que dificultou ainda mais as coisas para quem os estava a ver.

Soilent Green [Palco 1]

O primeiro grande momento do último dia. Em grande forma pela tour europeia comToday Is The DayDisgorge e Grimness 69, que passou até pelo Roadburn, osSoilent Green deram um concerto implacável, tocando um grindcore “kitado” com fortes passagens sludge. Naquela que é uma solução bem pensada, mais que não seja pelo facto de o grindcore não pedir músicas extensas, a banda alia a velocidade abrasiva do grind às raízes do bluesy sludge de New Orleans, de onde são originários –Brian Patton, guitarrista dos Soilent Green, é membro dos Eyehategod, a título de exemplo.
O melhor de tudo é que conseguem reproduzir ao vivo corrosividade patente nos álbuns com uma potência de sublinhar. Quem ouviu uma Slapfuck ou a famosaAntioxidant no palco principal de Barroselas teve direito a uma experiência “bonecrusher”, numa das melhores actuações do festival.

Today Is The Day [Palco 1]

A dúvida existencial impera. Qual foi o melhor concerto do SWR XIVMagrudergrindou Today Is The Day? Se o primeiro provocou o caos físico, o segundo foi de uma violência psicológica arrebatadora. Steve Austin é mestre no palco e o som que osToday Is The Day praticam é algo fora dos parâmetros normais. Experimental, noise, grind, whatever… É especial e especial foi o concerto do trio. A intensidade imposta pelos americanos saltou à vista, com Austin a terminar o concerto praticamente sem cordas  na guitarra, tal foi o ímpeto com que a torturou ao longo da quase uma hora de actuação. In The Eyes Of God – álbum de 1999 que conta na bateria com Brann Dailor dos Mastodon – serviu de abertura, arrastando consigo para um vórtice caótico os poucos mas devotos fãs concentrados à frente do palco. Um deles, Ricardo Loureiro, baixista dos nacionais Carmosh, teve direito a cantar o final de Temple of the Morning Star, depois de Steve Austin ter exigido que o segurança não impedisse o fã português de participar na faixa.

Mais do que intenso, memorável. Nota ainda para a atitude do líder do grupo, que, depois de terminado o concerto, ainda foi dar uma palavra aos fãs.

Grog [Palco 2]

Os Grog já não são meninos alguns e, valendo-se da experiência de duas décadas de palco, a malta de Oeiras conseguiu um dos melhores shows nacionais na edição 2011 do Barroselas. Scooping the Cranial Insides, novo álbum da banda, lançado dez anos depois de Odes to the Carnivorous serviu de sangue novo para a actuação, que foi de puro grind, sem apetrechos adicionais e apenas fazendo uso de uma bruta disseminação de violência. Grandes.

Alcest [Palco 1]

A banda francesa, uma das mais faladas nos últimos anos nos meandros do underground, já tinha passado por Portugal há um ano atrás, em Benavente e Braga. As reacções acerca desses concertos foram mescladas: houve quem adorasse, houve quem detestasse. É possível que desta vez ninguém tenha odiado, até porque osAlcest conseguiram quarenta minutos de bom nível. Ainda assim, aquele black metal atmosférico em jeito shoegaze tem dificuldade em adaptar-se ao vivo, especialmente num festival. O próprio Neige parecia não estar muito confortável em cima do palco, mas lá que as músicas do Écaille de Lune soaram bem soaram, independentemente das contrariedades. E as já clássicas do Souvenirs d’un Autre Munde também estiveram em bom plano. Curto, mas certamente positivo para os fãs da banda.

Atheist [Palco 1]

Tal como aconteceu com Venom, os Atheist sofreram com o som no palco principal. Demasiado alto, acabou por afectar um concerto que, pese embora este factor, foi competente e contou com um Kelly Schaefer comunicativo e visivelmente satisfeito por estar a actuar em Portugal. Num setlist que misturou músicas pré-hiato, como Unquestionable Presence On They Slay, com outras de Jupiter (2010) – o álbum de comemoração da reunião -, os Atheist deram uma hora sólida de espectáculo, apesar de alguns “pregos” aqui e ali. O público, esse, acabou por não estar nem de perto nem de longe tão agitado quanto em outras bandas cabeças-de-cartaz.

Satanic Warmaster [Palco 1]

Coube aos finlandeses a honra de fechar as actividades no palco principal do SWR. Com um black metal cru, pouco dado a coisas menos ortodoxas, a banda conseguiu uma intensidade bastante forte, que colocou a plateia em plena sintonia com o que se ia sucedendo no stage. A cortar o espírito, apenas uma senhora que decidiu passar o concerto a insultar o grupo, levando Satanic Tyrant Werwolf a interromper o concerto para lhe perguntar se havia algum problema. Colocando isso à parte, os Satanic Warmaster estiveram à altura daquilo que era esperado, tocando ainda, surpreendentemente, Fighting the World dos Manowar para completar o ramalhete de uma actuação de grande nível.

Göatfukk [Palco 2]

E, pronto, lá se juntaram novamente os três Joões (membros de Alchemist ePestilência) para finalizar em grande a décima quarta edição do Barroselas. Jimmyna bateria, Deris na guitarra e Galrito na voz (ele que substituiu o emigrado em Macau, e vocalista original do grupo, Ricardo Wanderer) adicionaram ainda outroJoão, o Vasconcelos e também ele membro original, ao baixo.
A curiosidade é que este foi o primeiro concerto da banda formada em 2010 e foi agendado no próprio dia. Ainda assim, o black metal em estilo punk dos Göatfukk foi o suficiente para garantir uma insana invasão de palco, com direito a mosh à frente da bateria, gente em boxers e uma dança desconexa generalizada ao som de uma batida kizomba improvisada a meio do concerto.

Poderia o SWR Barroselas Metalfest XIV ter acabado de melhor forma? Para o ano há mais…