Pelo que se ia ouvindo, em Lisboa e arredores chovia torrencialmente, com saraivada à mistura. Em Barroselas, pelo contrário, o calor abafado apertava de sobremaneira, com a cevada fermentada a piscar o olho a quem por ali andava à espera do arranque oficial do festival. Os Alchemist tinham luz verde para iniciar a décima quarta edição pelas 19:20, no palco secundário. Não foi assim. Os Dragged Into Sunlight e os Tinner cancelaram, abrindo duas brechas no cartaz, que foram colmatadas com o adiamento do início para as 19:50 por mão dos Mr. Miyagi. Os também minhotos Vai-te Foder actuaram na vez dos Tinner, encerrando as actividades do primeiro dia.
Mr. Miyagi [Palco 1]
Não deixa de ser um tanto ou quanto estranho olhar para os Mr. Miyagi num palco tão grande. Mesmo estando habituados a armar confusão em sítios de reduzida dimensão, os vianenses tomaram conta do pesado recado de abrir o festival. A plateia, na sua esmagadora maioria estática, fitava-os, enquanto o punk hardcore da banda ia sendo debitado a umritmo non-stop. Ciso, o vocalista, mostrava intenções de saltar até à plateia, como tantas vezes fez noutras ocasiões, mas a falta de ambiente não o deixou. Ainda assim, os trinta minutos de actuação foram positivos, principalmente se atendermos aos factores que jogavam contra eles.
Alchemist [Palco 2]
Os recém-formados Alchemist inauguraram o palco secundário, com uma sonoridade bem mais característica do SWR do que aquela que os Mr. Miyagi apresentaram. No campo do black n’ roll, o trio conseguiu uma das actuações mais saudadas do primeiro dia, fazendo uso de um som estranhamente sólido e maduro para uma banda com pouca rodagem e que ainda não lançou material oficialmente. Esta seria a primeira vitória do trio em Barroselas, que continuaria a ganhar nos dias seguintes, quando subiu ao palco como Pestilência e Göatfukk.
Cough [Palco 1]
Com o cancelamento de YOB e Sourvein, os Cough estavam a sós no cartaz do SWR no que confere às sonoridades doom/sludge. Sem se deixar afectar por isso, o grupo americano deu um concerto portentoso, numa descarga low tuned em slow motion, não abrindo espaço para dúvidas em relação àquilo que os Cough ambicionam: capturar a plateia e absorvê-la em longas e tortuosas voltas monocromáticas, apenas alteradas por solos psych à Jus Oborn. Durante 45 minutos, a banda deu atenção a Ritual Abuse (2010), o seu segundo álbum, com faixas como Crippled Wizard a revelaram-se apostas certeiras naquele que foi um dos melhores concertos do SWR.
We Are The Damned [Palco 2]
Felizmente, os bons concertos pareciam não querer terminar, neste primeiro dia. OsWe Are The Damned, que andam com a saúde revigorada desde que lançaram Holy Beast, conseguiram o primeiro tumulto do festival. Num set curto mas caótico, a banda nacional desferiu mais uma violenta pancada crust, que contou novamente com a presença de Nocturnus Horrendus na cover de Celtic Frost Into The Crypt of Rays. Para dar nota positiva, bastava olhar para a agitação em frente ao palco.
Menace Ruine [Palco 1]
Já em relação aos Menace Ruine é preciso dizer que este duo é uma daquelas bandas que ou se gosta logo de início ou então torna-se difícil suportar um concerto inteiro. Com um som marcadamente drone, enveredando pelas galerias obscuras do black metal e usando somente sintetizadores, os Menace Ruine apresentam ao vivo algo de árdua absorção, mas que se pode transformar num passaporte para outra esfera dimensional caso tenha feito o tal “clique” naqueles que os observam. Naquele que foi um dos concertos mais singulares e perturbadores de todo o festival, o duo canadiano saiu de palco com a missão cumprida.
Voivod [Palco 1]
Estava na altura de uma das bandas cabeças-de-cartaz actuar. Os Voivod, apesar de deterem um nome imponente, não têm uma grande fan base por cá, o que se notou na plateia que os viu. Seja como for, isso não se mostrou um impedimento, com os também canadianos a oferecerem um concerto sólido, que se iniciou com The Unknown Knows e fechou com uma cover da psicadélica Astronomy Domine de Pink Floyd. Apesar de o som não ter estado no seu melhor, os Voivod fizeram uso da sua experiência e actuaram com visível boa disposição, oferecendo uma hora de espectáculo de alto nível.
Dishammer [Palco 2]
Outro concerto demolidor. O primeiro dia parecia não ter pontos fracos e estes espanhóis não queriam certamente revelar-se como o calcanhar de Aquiles. Praticando um d-beat/crust abrasivo, os Dishammer encararam agressivamente a plateia de Barroselas e conseguiram esventrá-la a um ritmo impiedoso, marcando o passo para o que ainda vinha aí no palco principal. Se os We Are The Damned tinham conseguido a primeira sova do SWR, os Dishammer fizeram call e levaram o pot para casa. Bem, pelo menos até aparecerem os…
Ratos de Porão [Palco 1]
Pois é. Com estes brasileiros em jogo, torna-se difícil para as outras bandas saírem com o prémio de concerto do dia. Ainda o público gritava “Gordo, Gordo, Gordo!” à espera do mítico vocalista e já se podia sentir a tensão no ar. Assim que oJoão apareceu (ele que andou pela plateia o dia inteiro) e a Exército de Zumbisexplodiu, o caos entornou-se na terra de Barroselas, a poeira ergue-se e o resto já se sabe… Quem se quis aventurar pelo mosh, teve direito às habituais nódoas negras – que o diga quem participou no circle pit criado pela Crucificados pelo Sistema ou no trinta e um inaugurado pela Paranóia Nuclear, com direito a referências críticas a Chernobyl e Fukushima.
Para o final, ficou guardado o esmagador combo Aids, Pop, Repressão e Beber Até Morrer, um dos píncaros de toda a actuação do quarteto brasileiro, que serviu para observar empiricamente a simbiose especial que sempre se cria cada vez que o punk dos sul-americanos cruza o Atlântico para visitar Portugal.
Em jeito de despedia, recordou-se Phil Vane, vocalista dos Extreme Noise Terror que faleceu há dois meses, com as covers de Work For Never e Bullshit Propaganda, cessando-se assim as actividades do primeiro dia no palco principal do SWR.
Vai-te Foder [Palco 2]
Substituindo os finlandeses Tinner, os Vai-te Foder distribuíram mais meia hora de punk agressivo, que continuou a injectar adrenalina naqueles que ainda tinham energia no tanque depois da demolição protagonizada pelos Ratos de Porão. Numa atitude “straight to your face”, a banda portuguesa não perdeu tempo com tretas secundárias e instalou a anarquia no palco secundário, com músicas como Rock No Canoa ou Viciado nos 80 (tocada duas vezes).