Tal como no início das festividades, o terceiro e último dia do Supersonic, começou com as vertentes electrónicas. Tomutonttu integrou-se num grupo de artistas que suportam o seu som no mínimo de batidas e que tendem a incorporar pequenas, mas decisivas derivações sonoras, acabando por tornar os ritmos no elemento preponderante e principal, mas em que se denota a envolvência de um conjunto pouco vasto de aditivos sonoros. Talvez por não ter soado nem a novo, nem contra-corrente, acabou por despertar um modesto interesse.

Intitulado como um dos artistas escondidos no cartaz, Richard Dawson transformou-se numa das boas surpresas com que se contactou ao longo dos três dias. Olhar para o músico de Newcastle lembrou Daniel Johnston na fragilidade com que se apresenta sozinho em palco, mas também por deixar transparecer a incompreensão com que muitas vezes se encara este tipo de músicos.

Sem grandes rodeios vocais, porque nem é isso que se lhe pedia, mas também moderado nas divagações  que emprega na sua viola acústica, foi impossível não se sentir um apreço e, no extremo, adoração pela simples, diminuta, mas determinada forma como revela a sua arte. Contador de histórias e um humorista nato, envolveu a silenciosa plateia, recordando uma personagem que se poderia encontrar numa qualquer cidade recôndita do Reino Unido.

Aos Six Organs of Admittance há que agradecer o aparente abandono do percurso mais acústico e lento do passado mais próximo, e louvar o regresso aos conteúdos mais barulhentos e progressivos que se encontram no mais recente Ascent. É indesmentível que já se sentia falta dos devaneios solistas e do indagar sonoro de Ben Chasny, a par dos seus confrontos com o amplificador. Acima de tudo, verificou-se que mesmo quando o baixo e a bateria se encontravam a meio gás a sua guitarra debitava solos ruidosos e com imenso groove, surgindo à cabeça as possíveis influências de Neil Young. Por parte da sua voz, encontrou-se dissonância com o barulho que vinha do palco. Calma e pouco condizente com a parte instrumental, acabou por criar um curioso desencontro.

Se na noite anterior se tinha visto Yoshida Tasuya com os Zeni Geva, desta feita garantiu-se a oportunidade para testemunhar um dos seus sets caóticos de bateria. Sem pausas, exterminou permanentemente os tambores e os pratos qual bombardeamento de Pearl Harbor. Ruins Alone poderia ser a banda sonora para um clássico de gore japonês em que durante a matança e esguichos de sangue, a bateria e a voz – que vociferava palavras indecifráveis-, surgiam como acompanhamento para os momentos de pânico.

À semelhança de Merzbow, que tinha mostrado como colocar o noise no seu extremo, KK Null surgiu dedicado a seguir as pisadas do seu conterrâneo. Contudo, com Kazuyuki Kishino há uma predominância drone em todas as camadas ruidosas, maciças e perturbadoras. Utilizando apenas maquinaria e o seu laptop, o japonês apresentou o noise numa versão mais vasta e a mostrar que dentro deste estilo também são possíveis diferentes abordagens.

Com Lichens há sempre a garantia de se sair estupefacto dos seus concertos. Com os seus sets sempre improvisados e vítimas do momento, Rob Lowe foi construindo instantes em que qualquer minuto que se disfrutava do seu som e da sua voz foi como descobrir um tesouro há muito procurado. A forma como revira os olhos, a colocação das mãos, o seu incrível timbre, a voz dos anjos, a subtileza dos gestos, tudo se coaduna para o ritual que se foi criando.

Para Rob parece não haver limites, e o transporte para zonas pouco lúcidas foi evidente. Um dos poucos que ainda consegue transmitir emoções e despertar sentimentos inimagináveis que só se descobrem no momento em que se o ouve. Com uma actuação curta, mas suficiente, acompanhando a sua voz por batimentos e algum feedback, conseguiu comprovar o quanto cada um de nós é frágil perante a aura de prodigalidade que criou.

Com o argumento de apresentarem os dois Oro, os Ufomammut tinham uma das mais arriscadas tarefas do festival. De facto, constituiu um estímulo verificar ao vivo a progressão que têm alcançado. Levando as componentes doom para outros níveis, conseguiram introduzir elementos sonoros que, muitas vezes, estavam arredadas do estilo, com variados momentos ambientais submersos numa componente instrumental pesadona, robusta e forte.

Os italianos progrediram logicamente desde o lançamento deIdolum, e com os dois mais recentes discos demonstraram que estão cada vez mais coesos e que transformaram toda aquela imensidão sonora em algo profícuo, com as linhas de baixo ou com as vocalizações que sofreram um constante sufocar pelo resto dos instrumentos, parecendo surgir de um lugar muito longínquo e derivado de várias lutas.

Há que ser simples. Tim Hecker deu dos espectáculos mais brilhantes da décima edição do Supersonic. Abstracto na divulgação daquilo que não parece seguir uma premissa concreta; lento, revertendo para paisagens concretas. Contemplativo e imagético, mas também presencial e imediato. Orquestrou uma actuação de uma beleza incrível, qual arquitecto da tristeza, em que a utilização parca de componentes sonoras transmitiu uma sensação de isolamento e desconsolo.

Frio e tristonho, conseguiu conferir um enorme vazio ao ouvir-se as partes musicais nada rotativas e movimentadas. No fundo, a conjugação premente entre as composições bonitas e impregnadas de beleza mas que estranhamente transmitiram um sentimento oposto de melancolia latente.

Os Goat chegaram envoltos num hype que fez com que a sala estivesse mais preenchida que em qualquer outro momento. E a verdade é que o concerto que deram pareceu merecer toda a atenção que lhes tinha sido destinada. Tocando apenas temas deWorld Music, os suecos mascarados pautaram-se, tal como no álbum, por momentos extremamente étnicos com sons coloridos e animados, criando um estranho antagonismo, não só com o frio que se fazia sentir, mas também com o país de onde são originários.

Com os Goat estaremos perante a incursão do continente africano na música europeia? Parece que sim, e a africanidade conferida pelos ritmos tribais e pelas vozes, estiveram presentes em todos os momentos da celebração que a banda leva para o palco. Frenéticos, apostaram bastante num espectáculo cénico, lembrando os Master Musicians of Bukkake, mas numa vertente ainda mais progressiva.

Os Body/Head levam para casa o título de desilusão do festival. Com duas guitarras em palco, entre as quais a de Kim Gordon, os acordes perdidos no tempo e no espaço pareceram nunca ter um destino muito concreto. As desafinações da americana não eram escondidas e surgiam raramente enquadradas com a distorção e experimentalismo que saía dos amplificadores. Testemunhando aquilo que de interessante Lee Ranaldo e Thurston Moore vão fazendo, surge a ideia que, actualmente, Kim terá ainda que percorrer muitos trilhos para conseguir produzir algo de interessante fora dos Sonic Youth.

Que os  tinham com Little Joy editado um grande álbum já não era novidade. Que davam concertos incríveis é que foi uma excelente notícia. Transportando todo aquele rock com uma incrível tendência para a desarticulação dos membros, perante os contornos dançáveis que transmite, os australianos mostraram que em palco assumem ainda uma dimensão mais estratosférica. Brutalmente dançáveis, transformaram a pequena sala onde tocaram num corrupio de movimento. Esquecendo os momentos ambientais presentes nos seus registos, não houve lugar para nada mais que uma primitiva e enorme jam instrumental.

Em duo, a recitar o seu livro, com a sua banda com uma vintena de anos de existência ou com orquestra, Eugene e os seus Oxbow parecem ter incontáveis mutações e os Oxbow Orchestra são mais uma. Robinson pareceu sentir o peso da extensa instrumentalização e acompanhou-a através dos seus movimentos. Quando esta se tornava mais gravosa também ele gesticulava e assumia a tão famosa postura de quase confronto. Quando esta se veiculava de forma mais suave, também ele surgiu pacificado e sentado ia debitando as suas partes vocais. Quem pareceu pouco importado com tudo isto foi Nikko Wenner que mostrou toda a sua versatilidade com a guitarra e foi ele o maior maestro de todo este conjunto musical.

Estranhamente não se vislumbrou muito do Eugene enraivecido, mas uma versão mais sofisticada e no extremo doce, promovendo maioritariamente as letras de forma falada e não cantada. Qual salvador de catástrofes iminentes com ele se encontraria a salvação.