Encarar o Supersonic como um mero festival de música, seria extremamente redutor. Na Custard Factory, em Birmingham, durante três dias a música foi interpretada como um todo e não apenas cingida à actuação de bandas em vários palcos. Como tal, existiram um conjunto de actividades que estavam relacionadas com a música, mas que viviam, em muitos casos, sem ela.

Assim, era possível assistir a diversos eventos que iam desde painéis de artistas em debate, exposições, instalações, pintura com representações em movimento, espectáculos para crianças, entre outras acções, tudo num ambiente em que se pretendia tornar o festival como uma ocasião o mais abrangente possível. O Supersonic está actualmente no patamar daqueles festivais em que é obrigatório marcar presença antes de qualquer um se tornar em cinzas.

Com a prata da cidade iniciaram-se as festividades. Os Free School, duo de mascarados, transformado em quarteto na reprodução ao vivo, apelou essencialmente às capacidades dançáveis de qualquer um. Talvez fosse ainda muito cedo, mas misturando essencialmente texturas e referências electrónicas, fizeram recordar, maioritariamente nos temas cantados, os Underworld, apesar de serem menos incisivos que estes na sequência das batidas.

Os Free School apostaram essencialmente naquilo que os sintetizadores podem oferecer, juntando vocalizações distorcidas e robóticas. Não apresentaram um conceito novo, mas o ritmo transformava-os num caso de conquista rápida e a colocação apropriada de pequenos samples conferiram-lhes algum charme.

Os Hey Colossus eram, neste primeiro dia, uma das actuações mais aguardadas e que geravam alguma expectativa, na medida em que se tornava importante perceber se conseguiam transferir para o palco a loucura que muitas vezes atingem os seus temas, nomeadamente no registo RRR. A verdade é que o conseguiram e tornaram paranóica toda a incorporação de diferentes estilos. Assim, mostraram que são de facto uma banda que se preocupa em atingir vários pólos, que iam desde vocalizações que poderiam ser englobadas em alguns projectos de black metal, passando por momentos doom e até pequenas porções de noise, muito influenciadas pela inclusão de maquinaria.

Há que usar de sinceridade. Existe com Justin K Broadrick uma relação sentimental de forte admiração. A partir deste ponto, é quase impossível não se sentir sempre um prazer especial quando desvenda a criação de um novo projecto. Assim, foi um momento único presenciar a transformação que se processou do rapaz que, calmamente e pacificamente, coloca o seu laptop em funcionamento e afina a guitarra, no indivíduo que poucos momentos depois se tornou demolidor e massivo. De olhos cerrados, cambaleante de encontro ao confronto com o seu amplificador, parecia estar, de facto, disposto a desfazê-lo perante a fúria com que debitava as partes de guitarra.

JK Flesh aparenta seguir onde Godflesh parou e tomar as rédeas do seu outro projecto Techno Animal. Industrial e ambiental quanto baste, apresentou os temas de Posthuman, que muitas vezes pareciam sugerir como seria a banda sonora para um evento apocalíptico, em que os humanos seriam exterminados e os poucos sobreviventes dominados pelas máquinas.

Carismático como sempre, Justin deixou irremediavelmente a sua marca neste Supersonic.