Antes da análise do que se viu por lá em termos musicais, convém falar, nem que seja um pouco, das condições do festival em si. Muito se tem falado do pó, dos maus acessos, do parque de campismo, de todas as filas sem fim, e após tantas críticas e de tanto se ter escrito sobre o assunto, apenas se pode dizer que, mesmo com tudo o que foi dito, foi ainda pior.

Se existiram melhorias? Sim, existiram. Ligação directa entre o campismo e o recinto e paus no chão para impedir o pó de levantar (?!), por exemplo. O grande problema, no geral, reside no facto de estas melhorias (simples, digam-se) em nada ajudarem a controlar todos os problemas de um recinto mal-pensado que, este ano, recebeu muito mais público que no ano passado.

No primeiro dia, o trânsito mostrou-se logo terrível, tendo uma simples viagem de autocarro de vinte minutos demorado mais de uma hora (“No ano passado houve uma vez que foi duas horas e meia”, comentava o motorista), e no parque de campismo reinava a completa desorganização, com filas gigantes para… bem, para tudo. Multibanco, cabines para carregar telemóveis, comida, bebida; existiam filas para literalmente tudo o que se queria fazer no parque de campismo, menos para ir aos vários WCs espalhados pelo recinto (onde me deparei, já nos dois últimos dias, com visões que me irão assombrar até ao fim dos meus dias). E aquele “supermercado” (aka banquinha que não tinha muito a oferecer e que ficava com artigos esgotados em menos de duas horas) era hilariante.

E depois há, claro, o próprio recinto do festival. Mal estruturado, onde se pode até tornar por vezes labiríntico chegar de um palco ao outro, e onde a areia não torna fácil as caminhadas. E há, claro, o pó, que pelo que parece, segundo o disse Luís Montez, responsável pela Música no Coração, a organizadora do evento, vai continuar durante mais dez anos. Diz, também, que têm “amantes de música a sério, que estão dispostos a passar alguns sacrifícios para ver e ouvir os seus ídolos. Consegui provar, que era a grande dúvida, se este local era o ideal. Estou muito contente”. Fugindo ao insulto fácil, direi apenas isto: amantes de música a sério merecem organizadores a sério. E o SBSR, infelizmente, parece não poder oferecer isso. Numa coisa tem razão, no entanto: estamos, sem dúvida, dispostos a passar por sacríficos para ver e ouvir os seus ídolos. A isso chama-se “pagar bilhete”. Avançando para o festival em si…

Dia 1: Após uma hora e tal fechado num autocarro a fazer uma viagem que supostamente seria de só vinte minutos, chega-se ao recinto ainda a tempo de espreitar Sean Riley & the Slowriders. Competentes como sempre, apresentaram no palco Super Bock canções do seu novo disco, It’s Been a Long Night. Canções requintadas, que funcionaram bem mas que ficam atrás de temas como Walking You Home (que, como sempre, foi tocada demasiado cedo) ou, claro, a magnífica Harry Rivers, que encerrou na perfeição o concerto, numa versão alongada que chegou quase à apoteose. Já os vimos a fazer melhor, mas não desiludem. O público era algum, mas ainda não muito; algo que era de esperar, dados os problemas de trânsito e a confusão que se vivia no campismo.

Os The Walkme , que vieram não muito depois, não desiludiram propriamente, mas também já os vimos a fazer melhor. Não era o ambiente certo (público maioritariamente apático), e o mau som não ajudou nada, mas foi o que já se esperava: um belo momento, dado por um rock que resulta infinitamente melhor ao vivo que em disco. E há, claro, a The Rat, uma daquelas canções que valem por si só um concerto, e que foi, claro, a música mais reconhecida e aplaudida por um público que não estava ali por eles. Tocaram uma bela canção nova, que encaixou muito bem nas restantes. Era um público numeroso o que esperava os Tame Impala no outro palco, na sua estreia em terras lusitanas para apresentar o excelente Innerspeaker, que lhes valeu uma excelente recepção um pouco por todo o lado. Ao vivo, confirmam a expectativa e o hype: rock psicadélico bem feito e com bom gosto, onde o psicadelismo não afunda o rock nem vice-versa. Transformam por vezes a canções em puros devaneios de long duração (veja-se a óptima Expectation, por exemplo), mas tocam sempre sem falhas, ficando apenas a faltar momentos que consigam chegar ao memorável. Dão, ainda assim, um concerto consistentemente bom, que não desilude ninguém e os mostra como aquilo que são: uma óptima e jovem banda, a quem só a experiência dará o que falta.

Os The Kooks são divertidos. Nada mais, nada menos. Música inconsequente, com alguns êxitos (Naive e Ohh La La à cabeça), que servem para sorrir e abanar o pé ao som de um rock agradável e energético. Bons para entreter um verdadeiro mar de público (que foi ficando cada vez maior) que esperava pelos Arctic Monkeys, cabeças-de-cartaz. Um momento bem passado. Nicolas Jaar, do qual infelizmente não se viu muito, impressionou no entanto com um jogo sonoro onde camadas de electrónica se vão construindo sobre si. Apoiado por uma boa banda, o músico sofria um pouco com o som que provinha de fora da tenda (ponto de passagem para quem se dirigia para o palco EDP, que ficava perto), mas conseguiu ainda assim criar o seu próprio mundo na tenda, onde um público numeroso e aparentemente conhecedor recebeu cada sample, cada som. Mais tarde, viriam a dizer-me que foi o melhor concerto do dia. Não posso confirmar, mas acredito.

O concerto dos Beirut viria a ser um dos melhores de todo o festival, mas foi-o com um sabor agridoce. Um mar de público quase todo ele indiferente perante o grande momento que se via em palco, com um Zach Condon a encantar com um alinhamento escolhido a dedo e uma banda que sabe perfeitamente o que faz. O som, ao que parece, estava bastante mau em certos locais do recinto, mas não nos queixamos; onde estávamos, ouvia-se tudo bem, e os trompetes chegavam a arrepiar. Surpreendentemente, a banda refugiou-se mais no passado e não tanto em The Rip Tide, que será lançado em Agosto. Condon transpira carisma e inocência (e parece ser honesto quando agradece), a banda é toda ela mais que competente, e viveram-se momentos grandiosos entregues por uma banda que já não tem nada a provar a ninguém. Não faltaram canções obrigatórias como a tão conhecidaPostcards From Italy ou Nantes, mas nem grandes e mais desconhecidos hinos do passado como a espectacular Gulag Orkestar, do álbum com mesmo nome, que encerrou na perfeição o concerto. Por vezes ridiculamente belo, por vezes arrepiantemente poderoso, o concerto foi minado apenas por um público distante e frio, que não se calava e preferia falar entre si a ouvir Condon e companhia. Pérolas a porcos, como diz a expressão. Quem viu, viveu logo do melhor que o festival viria a dar. Quem não viu, não sabe o que perdeu.

Lykke Li era, provavelmente, o nome mais ansiado do dia no palco EDP, e isso notou-se. Um público numeroso, grande parte dele obviamente fã, esperava a artista pop, que entra em palco de véu negro e sob um forte nevoeiro. Mal fala ao público durante a noite, e aqueles gestos expressionistas que vai fazendo parecem algo que já vimos antes, mas a presença está lá e aquela voz não engana ninguém (ainda que se vá discretamente apoiando na excelente backup singer), nem aquele tom de pop negra que invade o palco mal entra. A sua excelente banda, com particular destaque para o baterista, ajuda a transpôr de forma perfeita as excelentes canções do magnífico Wounded Rhymes do disco para o palco. O público rapidamente estava conquistado, e não foram poucos os que cantaram músicas como I Follow Rivers (que chegou surpreendentemente cedo) ou Sadness is a Blessing. Um belo concerto, recebido como tal por um público que já sabia o que esperar. Agora, resta vê-la crescer.

Os Arctic Monkeys já iam quase a meio quando se chega ao palco principal, onde milhares assistem com devoção ao concerto da banda de Alex Turner, que parece, como sempre, estar a olhar para o infinito enquanto canta. As canções novas chocam demasiado com as antigas, e falta à banda uma consistência esencial ao alinhamento. Momentos como 505 ou Fluorescent Adolescent foram bons, mas canções como Brick By Brick (irritante) ou The Hellcat Spangled Shalala não conseguem conquistar ao vivo, revelando não só a falta de consistência no alinhamento, mas também a da sua (ainda curta) discografia. Estão em piloto-automático (aquele tom de vendedor com que Turner disse “Esta próxima é do novo disco dos Arctic Monkeys” até assustou). Os fãs, como seria de esperar, reagem de forma efusiva aos clássicos de antes (I Bet You Look Good on the Dancefloor foi um dos momentos altos), e de forma mais apática aos do novo disco. Um concerto incoerente que não fez jus à banda que são (foram?).

No final de tudo, muito pó, dificuldades em sair do recinto, e alguns bons concertos vistos. O dia seguinte, no entanto, viria a oferecer muito mais.