Super Bock Super Rock: o festival do momento. Essencialmente porque está, de momento a decorrer. Secundariamente, porque representa o regresso do Peter Gabriel a Portugal. Infelizmente, esse momento está adiado até ao próximo sábado, pelo que há contas a fazer sobre as aventuras e desventuras na Herdade do Cabeço da Flauta, no Meco.
Foi um início murcho na margem sul do rio Tejo, a ser protagonizado por bandas portuguesas e a deixar saudades das bandas emergentes de há uns anos atrás. Aliás, este sentimento de nostalgia foi o que pautou este primeiro dia do festival, que tem Rapture, Aloe Blacc e Perfume Genius, por exemplo, para se redimir.
Confirmados esta semana, os Salto subiram ao palco principal como a primeira banda a actuar no Super Bock Super Rock. Com a plateia despida, fez-se o possível e arrancaram-se aplausos que, provavelmente, teriam sido dados no ano anterior, para replicar o discurso da banda do Porto – que afirmou ter passado da plateia para o palco de uma edição do festival para a outra. Não foi a única mudança drástica, tendo em conta as mudanças de instrumentos e de sonoridade dos portuenses em palco: os Salto, com o vocalista de guitarra na mão, eram uma banda completamente diferente daquela que era liderada pelo mesmo frontman com um baixo; a primeira, totalmente pop, não se coaduna com a mais ajazzada da segunda “formação.” Enquanto se pende de um lado para o outro, torna-se óbvio que as duas não deviam coexistir.
Enquanto isso, estreavam-se nestas lides os Happy Mess, ou, nas palavras da banda, subiram eles para a primeira divisão. Com tanto de Happy quanto de Mess, a banda mostrou dedicação e alegria em palco, mas mostrou também alguma bagunça. Berbicacho atrás de berbicacho, não justificam o aparato com o resultado da sua música, uma pop bem estruturada mas ainda por arranjar. Assim, é difícil competir com um cartaz que tem, no mesmo palco, Alabama Shakes e Bat for Lashes. Tão entusiastas como os primeiros a actuar no palco Suber Bock, com música mais festiva devido aos artíficios electrónicos, os Capitão Fausto continuaram com a representação portuguesa diária, toda despachada de enfiada, mas não reuniram mais consenso que nenhum dos seus pares.
Chegaria, por isso, a vez dos Alabama Shakes, que não vinham tão dispostos a abanar-se quanto seria de esperar. Coibida de grandes aventuras no palco, a banda norte-americana liderada por Brittany Howard mostrou as suas cartas essencialmente através da voz (dessa enorme voz) da sua vocalista. Nem sempre é preciso fazer o incrível ou inovador para se chegar os níveis memoráveis; às vezes basta uma grande voz, uma grande guitarra, ou um grande riff. Os Alabama Shakes tinham a primeira, um monstro dentro de uma figura pachorrenta, que se soltava daquele sem qualquer esforço. Havia em Brittany aquela característica humilhante para o reles humano, de se ter um potencial absolutamente gigantesco, genético e congénito, e de o tratar com o maior dos desprezos. Nasceu assim, lidem com isso e embalem-se nas suas melodias simples, à boa moda da Janis Joplin.
Ao palco principal subiriam, depois, os Bloc Party. Numa tentativa de malabarismo estratégico, a tentar balançar o antigo com o novo, os Bloc Party acusaram o peso da idade – a saúde da banda, assim como a energia das suas músicas, já não é a mesma que os trouxe, pela primeira vez, a Portugal, ainda com Silent Alarm na calha. As novas músicas arrastaram-se entre o vigor de Hunting for Witches, Banquet e Here We Are, que marcaram os pontos altos do início da actuação dos britânicos, que viveram da simpatia de Kele Okereke para convencer um público que, no fundo, ia para ouvir os primeiros êxitos da banda. E ia bem, não tivessem os autores deHelicopter ter de adiar essa grande malha para alturas em que já tivessem cumprido os deveres promocionais. Sentiram-se saudades de 2006.
Bat For Lashes protagonizou o primeiro concerto verdadeiramente grande o festival, não no sentido de dimensão, mas antes de concretização. Natasha Khan, auxiliada por uma equipa de engenheiros de eletrónica vestidos de negro e preparados para argumentar a seu favor em alguns instrumentos arcaicos orgânicos (como pareceram ser a guitarra, o baixo, ou a bateria). Com a aura gótica a rivalizar pela contaminação do ar com o pó – esse amaldiçoado pó – Bat For Lashes dançou ao som das suas malhas pop de contagiar o corpo e deprimir a mente, contrariando o ambiente com sorrisos gratos. Khan ainda conseguiu mostrar que não é só de teclados sombrios e arranjos orelhudos que se faz a sua música, pondo a sua voz à prova. Abençoado seja quem lhe deu tamanho dom!
Se em Bloc Party se sentiram saudades de 2006, os Incubus trataram logo de ligar a máquina do tempo. O primeiro botão em que carregaram chamava-se Privilege e vinha de Make Yourself e levou-nos a todos para um longínquo 1999. Que nem uns valorosos cientistas experimentados na teoria das cordas e nas teorias do espaço-tempo contínuo, os norte-americanos carregam em Megalomaniac, avanço de cinco anos. As viagens e experimentações dos Incubus ficaram centradas neste espaço de tempo, em que a banda gozou de maior fama – uma opção inteligente e que recolheu frutos na audiência, totalmente rendida ao empenho de Brandon Boyd e companhia. Por aqui, cá se teve a sensação de que as coisas faziam mais sentido há uns anos atrás.
Há uns anos, quando FlyLo, mais conhecido como Flying Lotus, ainda não tinha surgido nas nossas vidas. Não é normal dizer-se isto no PA’, mas o homem da noite foi, provavelmente, um DJ. Um homem com maquinaria suficiente para virar uma tenda ao contrário e fazer tudo dançar as batidas mais marcadas pela soul e pelo hip-hop (não é ao acaso que Steven Ellison piscou os olhos aNew Amerycah – Part. 1 de Erykah Badu, para quem faz vídeos, e aos míticos Beastie Boys, através de Intergalactic). Um concerto com energia tal que se tornou difícil aguentar uns Battles, tecnicistas como sempre, num extremo quase sobre-humano, mas num exibicionismo individual que em nada contribui para a coesão da banda.
Assim, feita a visita da praxe ao palco EDP para ver os autores deGloss Drop (já mal se deveria falar de Mirrored, esse grande disco, relativamente a este trio), depressa se regressou ao @ Meco para ver Flying Lotus a protagonizar uma performance – sim, mesmo estando sozinho e atrás de um PC, Ellison conseguiu ser performativo, enérgico e contagiante do princípio ao fim da sua actuação.
E foi neste ambiente de festa que os Hot Chip subiram ao palco Super Bock. Portanto, de tarefa facilitada e mesmo perante uma audiência muito despida (tendo em conta as dimensões do recinto e o número de pessoas reunido à volta das actuações de Incubuse Bloc Party), o mega-colectivo britânico aproveitou todas as condições dadas para dar um concerto verdadeiramente dançável: havia espaço para extravasar, mais na audiência do que no palco, e ainda havia vontade, apesar da avançada hora. O suficiente para que a bateria de pratos de choque, tarola e bombo conseguisse pôr tudo a mexer e se destruísse os indícios de relvado em frente ao palco principal. Foi o bom “sempre a partir, sempre a bombar.” Porque é assim que se encerra um palco principal. Uma maldade, visto que ainda se seguem dois dias de festival. Queixas de quem vem de barriga apenas meio-cheia de farra.