Pela colocação ríspida e o arrastar rouco da voz, bem que John Garcia poderia ser confundido com um qualquer náufrago do sofrimento vindo de Seattle. A alienação e o desprezo pelo próximo, a adoração de substâncias e a negligência individual, são igualmente traços comuns. Acontece que, ao contrário de na cidade do grunge, a rapaziada dos desertos californianos conteve-se nos opiácios. Optando por uma dieta hedónica constituída por marijuana e alucinógenos, ingredientes do seu blues seco, arrastado e lunático. Em termos metafóricos, Kyuss é a desilusão do punk alimentada dos restos da erva de Howlin’ Wolf e pingos generosos da mescalina dos Hawkwind.

A noite começou cedo ontem em Alvalade. Antes das 21H já tocavam os Stonerust, depois foram os Stone Dead – conjuntos stoner/thrash que anteveriam os também portugueses Dollar Llama, igualmente circunscritos entre esse registo. Algo invulgar é existir, durante estas actuações, mais pessoas à porta que no interior do RCA Club. O que, porém, tem uma contundente explicação: no interior é impossível fumar.

Os odores à porta extravasavam-na em larga medida e, só mesmo perto da entrada em palco do homem da noite, a multidão desmobilizou da sua auto-proclamada “zona recreativa”. Só então pudemos constatar um RCA composto (mas longe de cheio) para assistir ao lendário vocal de Kyuss, Slo Burn ou Unida – stoner puro – , aquele desert rock que cunhou e que em 2014 continua a apresentar no seu disco homónimo, o primeiro a solo. Garcia é um cantor de blues, não um rockeiro rebelde a caminhar para ícone de tempos já idos.

Um começo instrumental com “Caterpillar March” introduziu a sua entrada em palco, iniciando um concerto em formato de apresentação do seu recém lançado álbum, intervalado com malhas de Kyuss e Slo Burn. Apesar de compreensível, foi quase injusta a disparidade de tratamento relativamente ao material novo e o antigo. O estilo é o mesmo: “Rolling Stoned” tem tanto groovecomo “One Inch Man” mas foi só à segunda que a coisa de facto aqueceu. E, depois de temas seus como “My Mind”, “5000 Miles” ou “Flower”, a malta não se conteve e abriu o mosh durante “El Rodeo”.

Após algumas reticências iniciais, o aglomerado negro e ligeiramente desgrenhado era, durante “July”, um grupo de fãs histéricos – a edição limitada de Slo Burn anteveio “All These Walls” que, por seu turno, fez o falso final. Dez minutos de insistência e os versos inicias de “Green Machine” foram por fim sequiosamente repetidos pela plateia, assim como a restante canção, inequivocamente a mais desejada da noite que terminou de seguida com “Supa Scoopa And Mightly Scoop” do clássico “Wellcome To Sky Valley”.