Noite de Abril e dia próximo das comemorações de uma revolução, a de 25 de Abril, as várias faixas geracionais mesclaram-se para celebrar uma banda que provocou uma outra revolução, se bem que com características profundamente distintas. Uma revolução sónica que, embora não localizada num momento específico, se desenvolveu num processo de vários anos, transformando o modo como se encarava a guitarra e a música punk-rock, ou somente rock. A partir dai nada seria diferente, e a partir daí miríades de bandas se redefiniam num princípio: o sónico.
Fãs que se iniciaram nos anos 80, fãs que se iniciaram nos anos 90, e uma nova geração de ouvintes, todos disseram ‘presente’ e todos demonstraram que os Sonic Youth são uma referência incontornável, continuando a cimentar solidamente essa posição, seja entre os mais vividos, seja entre as novas vagas de amantes das sonoridades mais alternativas. E já que se fala de mescla de gerações, importa referir uma outra – a de sub-culturas. Uns com um look punk, outros com visual metaleiro, ou ainda outros com um perfil de hardcore, a Juventude Sónica revela a rara capacidade de atrair e congregar num momento, distintos ramos de fãs. Coisa que apenas um punhado de bandas é capaz.
À partida, em quase todas as pessoas que compraram o bilhete, a expectativa seria ouvir aquelas canções que transformaram o nome dos Sonic Youth em algo imensamente grande e marco de uma era do rock. As notícias vindas de Barcelona não podiam ser as melhores, dado que a banda tinha partilhado com o público um alinhamento completamente nostálgico e revisitador dos momentos altos. A questão é que isso só se deveu ao facto de Mark Ibold, o baixista, não ter conseguido chegar à cidade catalã. Para Lisboa ficava a incógnita, se por um lado a tour tinha como background o último registo, The Eternal (2009), e com isso o alinhamento podia ser guiado pelo registo, por outro poderia repetir-se Barcelona.
Perante um Coliseu completamente a abarrotar por todos os lados, às primeiras músicas, No Way, Sacred Trickster e Calming The Snake, a esperança de ter um alinhamento composto pelos velhos êxitos esfumou-se e a certeza de que a banda iria percorrer The Eternal era já incontornável e, nem a visita a Stereo Santity de Sister[1987], à quinta canção, fez por momentos abalar essa certeza. O desejo de ter raptado Mark Ibold certamente terá passado pela cabeça de muita gente, para que os Sonic Youth vingassem com o seu reportório mais clássico. Mas à medida que o novelo do concerto se desenrolava, a força das distorções sónicas que alimentavam as canções de The Eternal desvaneceu esse pensamento e impôs uma ideia clara, a de que o mais importante era celebrar os Sonic Youth em toda plenitude e energia, quaisquer que fossem as músicas.
Entre os muitos tipos de Fender descascadas pelo uso, Jazzmaster, Jaguar ou Mustang, aliás uma das marcas vincadas da banda, os Sonic Youth, já depois do cheirinho deixado por Schizophrenia, resolveram prendar os presentes com um encore evocativo de Daydream Nation, no qual incluíram Sprawl e Cross The Breeze. Apontá-lo como o momento alto da noite será injusto porque todo o concerto marcou sempre a máxima temperatura do termómetro da sala, mas no estômago de muitos presentes a sensação química alterou-se naturalmente, porque são pedaços de história brotados de Thurston Moore, Lee Ranaldo, Kim Gordon, Steve Shelley e Mark Ibold que marcaram (sonicamente) em momentos chave a juventude de muitos como banda sonora preferencial.
Fruto do caloroso entusiasmo com que foram brindados durante todo o concerto, os Sonic Youth lançaram-se ainda num segundo encore que outra vez revisitou os anos gloriosos da revolução sónica. Com Shadow Of A Doubt e Death Valley 69 fechava-se a esplêndida noite. Trouxas ao ombro e entre apertar os atacadores das All-Stars, começava o processo de guardar cada bocadinho religiosamente num recanto especial do cérebro para que em breve fosse saboreado num sono a bater à porta, variando para uns e outros, a horas menos boémias ou a horas mais boémias.
Já não tão jovens, a Juventude Sónica lembrou que a música precisa de ser constantemente desafiada nos seus limites e conceitos estabelecidos. Eles fizeram-no durante os anos 80. Para que a memória não se petrifique e aproveitando ainda a sua vida activa, continuam a espalhar essa revolução, não para que ela se eternize em celebrações apenas, mas para que seja desafiada como o fizeram com outra revolução, o punk-rock.
ALINHAMENTO:
- No Way
- Sacred Trickster
- Calming The Snake
- Anti-Orgasm
- Stereo Santity
- Malibou Gas Station
- Walkin Blue
- Poison Arrow
- Schizophrenia
- Antenna
- Leaky Lifeboat
- What We Know
- Massage The History
Encore 1
- Sprawl
- Cross The Breeze
Encore 2
- Shadow of a Doubt
- Death Valley 69