É preciso uma certa dose de coragem para subir a palco sozinho, apenas com uma guitarra em punho e um piano de fundo. É preciso uma dose de confiança adicional para ter a certeza que a voz não vai falhar a acompanhar a guitarra e o piano e que só isso basta para dar um bom concerto. Ou então basta ser Howe Gelb.

As apresentações deveriam ser dispensáveis, mas vão ser feitas para quem não sabe: este senhor de vozeirão capaz de fazer tremer paredes é o senhor por detrás dos Giant Sand. Com eles ou a solo, construiu um saudável e considerável cancioneiro e, consequência disso mesmo, um legado respeitável.

Mal entra em palco, vestido de negro e chapéu, fica claro que este concerto vai ser uma espécie de desfile de idiossincracias. Não só do próprio Gelb, mas também de um conjunto de personagens que ao longo das décadas foi escrevendo a história do rock e do blues.

Diga-se desde já que tais comportamentos em Gelb originam um comportamento semelhante a uma crise de meia idade, mas daquelas boas, em que se decide mudar a vida para algo completamente diferente. Sem medo de usar a distorção mais suja que consegue sacar da guitarra semi acústica e, mais importante, sem medo das imprecisões e dos “pregos” – queremos acreditar que Gelb estava nervoso – que funcionam invariavelmente como condimentos extra à música arraçada de blues e que conta estórias de personagens como ele: felinas e errantes.

Não preciamos de esperar muito para perceber que Gelb também é fã destas pequenas imprecisões e erros. Ao aproximar-se do piano, tira do estojo um bolso, retira-lhes objectos que do público são imperceptíveis e coloca-as sob a corda dos pianos. “Muda-lhes o tom”. Na verdade, para o incauto ouvinte, arruina o som perfeito do piano de cauda, suja-o e… sublima-o. A América agitada numa pessoa? Sim, é possível.

Estes pequenos defeitos, tal como as desconcertantes pausas e aparentes devaneios que compõem as letras (estórias) de Gelb, são o que dão sabor e alimentam a vontade de ficar ali, a admirá-lo, a ouvi-lo. A beber de uma sabedoria imperfeita que, chegados ao fim, nunca nos atrevemos a questionar: respeitamo-la.

Antes de Howe Gelb subir ao palco, Sean Riley & The Slowriders haviam também eles evocado a América. Mas outra, a mais romântica, a mais dylanesca e mais bucólica até. Ainda assim, mesmo que por detrás daquele cabelo se esconda um proto-Dylan(impossível não pensar no eterno candidato a Nobel da Paz quando Afonso discursa) e as influências sejam várias e notórias, nota-se que os Slowriders têm uma identidade cada vez mais própria. Tal não seria possível se o companheirismo e a devoção à música (excepcionalmente visível no teclista) não reinassem no seio da banda. O público, aliás, rendeu-se a isso mesmo e conseguiu obrigar a banda a voltar para um encore entusiasmante e que, a julgar pelo aplauso em pé, deixou saudades.