Com passes gerais esgotados há largas semanas e a poucos dias de celebrar a sua sexta edição, o festival Semibreve faz-se novamente dum cartaz de vanguarda, que se afirma ano após ano pela sua transversalidade inter-artística e como um espelho atento sobre o panorama da música electrónica contemporânea. Fazendo-se entre a performance colaborativa de Kara-Lis Coverdale + MFO e uma outra aliança audiovisual entre Paul Jebanasam e Tarik Barri, o alinhamento deste ano é mais uma vez prova e representação perfeita da lacuna que o festival minhoto veio tão pertinentemente preencher.
Tanto composto por nomes mais óbvios e impactantes como de performances de ordem intimamente única, o Semibreve volta a conjugar um grupo de artistas absolutamente fascinante e inequivocamente fresco. Em letras capitais caiba talvez o nome de Andy Stott, talentoso produtor britânico que mais do que qualquer outro catapultou o nome da Modern Love Records para as pistas de dança do mundo. Regressando uma vez mais a Portugal, a apresentação desta feita caberá nos contornos mais limpos mas inequivocamente seus de “Too Many Voices”, o seu quarto longa duração desde 2005. No interior das mesmas paredes negras do gnration vibrarão no dia seguinte as frequências graves da techno cirúrgica de Laurel Halo. Partida entre o maior ou menor foque vocal de trabalhos como Quarantine e Chance of Rain – ambos registos com o selo da Hyperdub Records –, a norte-americana e agora residente em Berlim tem nova música prometida para 2017, noutra mais que certa mutação que poderemos assistir ao vivo na noite de Sábado, dia 29.
Quase que num outro espectro da análise, o destaque maior terá de ir para Christina Vantzou. Não só compositora como artista plástica e multimédia, Vantzou desde cedo alternou entre a música e as artes visuais e compreendeu os paralelos intrínsecos a ambos os universos. Metade desses saudosos The Dead Texan que partilhava com Adam Wiltzie, e por entre colaborações visuais com os Sparklehorse de Mark Linkous, foi só em 2011 que se estreou como música em nome próprio pela Kranky Records. Feita de camadas de instrumentação electroacústica e de samples vocais hipnotizantes, a música de Vantzou promete fazer gelar o tempo na Capela Imaculada do Seminário Menor, onde irá apresentar um concerto de cariz muito especial em colaboração com o Ensemble Harawi.
E porque este é um festival que se faz também da peculiaridade das salas em que decorre, num majestoso Theatro Circo a programação não poderia deixar de ser menos interessante. A abrir a sala maior do Semibreve estará Kara-Lis Coverdale e uma cortina modernista que se faz cair entre Homem e máquina. Classicamente treinada em piano, a jovem artista norte-americana colaborou mesmo com Tim Hecker em álbuns como “Virgins” e “Love Streams”, tendo vindo a construir para si composições granulares que desafiam as fronteiras entre o clássico e o progressista. No Semibreve irá apresentar-se com a colaboração visual de Marcel Weber (MFO), reconhecido artista plástico que tem visto o seu trabalho apresentado um pouco por todo o mundo em festivais como o Unsound e Mutek e em locais tão icónicos como o Centre Pompideu, currículo do qual fazem parte colaborações com artistas como Roly Porter ou Stars of the Lid e ainda bem recentemente com Ben Frost pelo Festival Forte. Outro nome que passará pela sala principal do Circo é o de Kaytlin Aurelia Smith, que se estreia assim em Portugal para apresentar “EARS”. Exímia utilizadora de sintetizadores modulares e capaz de interpretá-los à luz duma entidade orgânica como poucos, as suas composições movem-se de forma fluída e transparecem um cuidado e delicadeza transcendental a quem as escuta.
O domingo, último dia do Semibreve, faz-se novamente em formato matiné na sala principal do Theatro Circo, cabendo à performance audiovisual de Paul Jebansam e Tarik Barri encerrar o festival sob a fisicalidade desse colisor de partículas que é “Continuum”. Deitem o olho aos vídeos de como correu a coisa no Atonal e mais não vos precisamos dizer. O Semibreve faz-se de bem mais do que o que destacamos aqui, desde a presença dupla de Ron Morelli à vivacidade contagiante de Nidia Minaj, passando por Braxton, Coates e ainda a instalações de Junya Oikawa. O melhor é mesmo consultar todo o programa na página oficial do Semibreve, ou podem muito bem esperar até sexta-feira e descobrir tudo isto in situ.