A banda de abertura, o par francês FAT32, merece este destaque inicial, ainda antes da prelecção se estender até aos senhores de Secret Chiefs 3. Colocado o pé no aquário da ZDB, o público de imediato se apercebeu de que vinha aí algo fora do comum. Os instrumentos, um teclado – apetrechado de inúmeras maquinetas, pedais e um computador – e uma bateria, preenchiam quase metade da sala. Os comentários de quem observava aquele maralhal de cabos poder-se-iam traduzir num só: isto vai ser uma fritaria.
E… Foi, mas da boa. Os dois franceses, assim que iniciaram a sua demonstração artística invulgar, submergiram a Galeria Zé dos Bois em águas noise electro movidas a um ritmo frenético-math. Foi como se estivéssemos a assistir à loucura de uns Lightning Bolt misturada com a cadência anormal de uns Zu… Tudo isto metido num caldeirão electrónico, com direito a samples de Pantera ou Edith Piaf. Se, de repente, o Mike Patton tivesse aparecido por ali a gritar por cima daquela convulsão sonora, a surpresa seria apenas provocada pela presença do músico americano no Bairro Alto e não pela sua aparição vocal sobre o som dos FAT32. Aliás, se estes rapazes assinassem pela Ipecac não seria de admirar.A juntar a isto, o duo mostrou-se a Lisboa com uma boa disposição salutar, interagindo várias vezes com a plateia, naquele que foi um concerto que terá marcado quem o observou – no final, foram muitos os que dirigiram palavras de apreço aos franceses.
Quando entraram em palco, já com o público a poder usufruir de todo o espaço a que tem por norma direito, ocupando-o por completo, os Secret Chiefs 3 apareceram somente com Trey Spruance, Toby Driver e April Centrone, a mais recente baterista do grupo. Não tardaram a fazer mossa, abrindo com uma simples mas hipnotizante Medieval, que colocou a sala no mood certo para os setenta minutos que se seguiriam.
Não é à toa que os Secret Chiefs 3 são conhecidos pelas suas grandes performances ao vivo. A comandita de Spruance tem o hábito de se fazer compor por grandes músicos, capazes de emular as mais variadas sonoridades daquilo que é comummente designado por world-music. Absorto pelo seu próprio misticismo, o quinteto, envolto em sombrias túnicas, trouxe exactamente isso ao coração lisboeta. Fast e Vajra, já com a banda completa em palco, foram fortes catalisadores para a transpiração dos presentes, que aumentava a cada dedilhada mesopotâmica de Trey.
The 4 (Great Ishraqi Sun) e a cover Halloween de John Carpenterrevelaram-se, também elas, píncaros de uma actuação onde a técnica nunca se sobrevalorizou perante o feeling que os Secret Chiefs 3 tratam de incutir em qualquer espaço onde tocam. Os ritmos são contagiantes, espicaçam a alma e não é de estranhar que uma plateia, a princípio contemplativa, acabe a dançar sem grande vergonha de quem está ao seu redor, quase obrigada por uma Labyrinth of Light imperativa.
Esta passagem pela ZDB, um dia depois da actuação na Vila, em Braga, marca a primeira etapa portuguesa cumprida pelos Secret Chiefs 3 em 2011. A próxima acontece daqui a um mês em Sines, no Festival Músicas do Mundo e no Milhões de Festa. Quem tiver oportunidade, não falhe.