Parece que chega o meio do ano e os Russian Circles fazem a sua paragem ocasional em Lisboa e no Porto. Não o fariam se não soubessem que seriam recebidos como reis e, claro, se não trouxessem companhia digna disso. Se no ano que passou, o trio de Chicago trouxe os amigos nipónicos Boris, neste 2012 trouxeram a dupla de São Francisco Deafheaven, que sobe ao palco enquanto quinteto.
Depois de Roads to Judah ter demonstrado uma banda de post-rock seriamente chateada com a vida, era tempo de osDeafheaven mostrar porque é que a banda é um paraíso para surdos: a violência do seu som em palco só ganha com a definição da proximidade com a audiência e com o fosso cavado entre a sua versão de estúdio – que, por mais bela que seja, não consegue transmitir a rudeza da bateria ao vivo, nem, tampouco, fazer jus à voz George Clarke, de uma fealdade cristalina, tecnicamente imaculada e horrivelmente distorcida no diafragma.
O resultado não podia ter sido melhor – ou pior, dependendo da perspectiva. Os fãs de Russian Circles simplesmente não se revelaram preparados para a agressão sónica que a banda de black metal levou para os palcos de Lisboa e do Porto. Sim, black metal, sem sombra para dúvidas. Até ao osso, com as suas capacidades orquestrais a ultrapassarem o efeito técnico do classicismo, em busca da erudição e da beleza desenvolta do romantismo.
É nessas paisagens de desolação, nítidas na faixa de abertura da actuação totalmente dedicada ao álbum de estreia, Violet, que se percebe que o que é pintado pelos Deafheaven ecoa a beleza, como o demonstraram tão bem tanto no MusicBox como no Hard Club. Falta-lhes, contudo, a experiência e a desenvoltura que conquista palcos e derruba as barreiras ao misticismo pagão em terras tão cristãs quanto a nossa. Vejamos se o futuro lhes reserva o sorriso que mostraram merecer por parte de alguns que saíram dos concertos convencidos.
Por Lisboa, também o público pareceu demasiado aluído pela abrasividade sonora de uma banda que ainda está para encontrar o seu público – nos E.U.A., até tocam em festivais de hardcore (falando nisso, thumbs up ao guitarrista que trouxe até ao MusicBox a sua camisola de Integrity).
Aos Russian Circles, pelo contrário, já lhes conhecemos os traços. À terceira passagem pelo MusicBox desde 2010, é difícil não saber aquilo que nos espera, mesmo que tragam consigo Empros, o seu mais recente disco. Como bons anfitriões que são, mesmo que para isso não precisem sequer de dizer um olá, os três músicos decidiram sentar-nos na poltrona das memórias desde início (início esse precedido pela maravilha que é Night Goat dos Melvins), relembrando-nos onde tudo começou com Carpe e onde tudo se “estratosfericou” com Harper Lewis.
Num MusicBox que, em noites de casa cheia, nos gosta de fazer um teste à claustrofobia, nem sempre foi fácil, ainda, estar em sintonia com os Russian Circles. Por um lado, o calor, por outro a inevitável sensação de dejá vù de um trio que, em comparação com o concerto do ano passado, apenas adicionou as novas Batu eMladek e trocou a Station pela Carpe. Contudo, não há como não groovar intensamente com aquele baixo feito pterodáctilo naGeneva e não se encontra forma de resistir aos encantos de umaYoungblood que se faz escorreita por epístolas cósmicas. E sublinhe-se um justíssimo elogio: a demora entre faixas, proporcionada pela afinação perfeccionista de Mike Sullivan e Brian Cook, foi bem menor, quando comparada com aquilo a que se assistiu em Junho de 2011.
Numa altura em que se entregam títulos futebolísticos Europa fora, os Russian Circles regressaram a Portugal e ao Velho Continente para nova condecoração. No fundo, e como afirmado no início desta prelecção, eles já sabiam que seriam os vencedores da noite, ainda antes do apito inicial. Se as dúvidas no marcador imperassem até ao fim, há sempre um ponta-de-lança chamado Death Rides A Horse para balançar a rede.