Há quem diga que o punk morreu. Quem disse esse reles mentira não foi ao Porto recentemente, nem viu as águas serem agitadas pela Ruins Records — o que me leva a crer que a confusão entre as ondas vindas da programação no almaemformol foi, provavelmente, confundida com um movimento de praxe qualquer. Seria uma confusão justa, se em conta tivessemos a falta de cor das roupas de quem se deslocou à Rua do Almada, na baixa da Invicta. Mas o gosto, de um requinte javardo, é superior ao mote de “cerveja barata e pandeiretas saltitantes”. O mote era musical e chamava-se Ruins Sessions II.

Com a cave do almaemformol cheia de vontade de rebentar pelas costuras, mais pelo energia por uma resolução atómica de energia concentrada em mosh pit do que pela lotação (composta, mas com espaço saudável para a pancadaria, como se pede num bom ringue), arrancaram com a sessão os Misantropia. Seguir-se-iam os Atentado que, no seu misto de sujeira crust com velocidade grind, esmifraram a plateia durante o concerto de apresentação no Porto do seu novo álbum, “Antagonist”. As malhas, cuspidas com pouco tempo para respirar,  garantiram que a vizinhança ficava ao corrente de que há uma figura de estilo à espera de acontecer no nome Atentado — e muito se deveu ao volume absurdo de um baixo que perfurou tanto os tímpanos quanto provocou taquicardia.

A fechar a noite de dia 21 estavam os madrilenos . A velocidade seria a matéria essencial da riffaria da banda, que jogou pelas regras (ser rápido; não!, ser ainda mais rápido). Apoiados no poder dos graves do baixo, as guitarras rasgavam-se em graves ensurdecedores, revelando uma capacidade para a potência pura exactamente como mandam os cânones da grindalhada. Levou-se água na boca para o dia seguinte.

Volvida a actuação de Birds, e com os Mother Abyss a cancelarem o seu concerto por motivos de saúde, surgiu aBesta no último dia da sessão. Uma Besta renovada, uma vez mais: tendo anunciado avançar como um trio, formação com que lançaram o registo mais recente, os lisboetas acrescentaram às suas fileiras o vocalista de EAK. Da Besta sabe-se que a execução nunca padeceu do desleixo em que a velocidade e a violência do grindcore mergulham invariavelmente o género — exímios na arte de bem fazer porcaria, desde as acelerações aos break downs cheios de groove, sempre lhes acresceu a presença de bons vocalistas. Paulo não foge à regra, a pulsar em força, na voz e na envolvência com o mosh pit incessante ao longo dos 30 minutos do concerto.

O fecho ficou para os milaneses HOLY, que contrastaram com os Besta pela postura mais activa e politicamente interventiva com que encaram a sua música (não demorou muito até que o baixista, na forma de frontman improvisado, explicasse desde logo literatura era o que não faltava na banda de merch da banda, desde veganismo à crítica acesa à religião, bem clara no nome da banda). Afirmar que os italianos não agarraram a audiência desde os primeiros momentos seria uma franca mentira. Nem mesmo depois de dois dias de matinées tardias ao som de pancadaria acabaria por demover os portuenses presentes de fazer o basqueiro necessário para acompanhar a actuação suada dosHOLY.

Programação é uma questão de maré. E quando se começa, é sempre a remar contra — se essas já são as características básicas do DIY e do punk, em que a Ruins se revela já versada, na altura de criar um evento especial já se notam os músculos trabalhados para contrariar comportamentos letárgicos. Este foi o número II porque houve um número I. E espera-se que haja, obviamente, um III, mesmo sem a força do óbvio, mas com a genuinidade de quem pode trazer boas surpresas. Assim foi com Cowards, no desfecho do ano passado, e assim aconteceu com os HOLY, que levam a taça do fim-de-semana. O Porto, como bela cidade que é, precisa de quem nos mostre os melhores podres.