À boleia da reedição de Ave Mundi Luminar e da tournéeinstrumental, o novo disco de Rodrigo Leão, A Montanha Mágica (chega às lojas na próxima 2ª feira), é uma pausa na lógica mais sofisticada dos trabalhos com o Cinema Ensemble. Contudo, desengane-se quem pense que isso implica um regresso aos primeiros trabalhos, ao assomo de inspiração e de arrepio emotivo presentes no disco de estreia e principalmente nas obras-primasTheatrum e Alma Mater. É um trabalho muito mais simples e leve, bem menos melancólico e denso. A noite de ontem serviu precisamente para apresenta-lo ao público.
Com enfoque nas teclas e na delicadeza do metalofone, os primeiros temas, A Praia do Norte e Baloiço (do disco e do concerto), mostram essa simplicidade quase infantil (não é por acaso que o álbum é dedicado à infância e à adolescência, com alguns elementos dos tempos da Sétima Legião). A Montanha Mágica é também o disco em que Leão volta a tocar guitarra e baixo, algo que não fazia há muito tempo e que concretiza ao vivo em dois ou três temas, e a ensaiar algumas experiências electrónicas. O caso mais paradigmático e feliz é Aviões de papel,com a erudição e a exploração a resultarem particularmente bem. Terá sido um dos grandes momentos da noite, juntamente com A Revolta, a revelar uma intensidade dramática deliciosamente marcada pelo piano. O alinhamento é, salvo algumas excepções, essencialmente instrumental e bastante mais minimal. Em palco, está apenas um quinteto, com o acordeão e o metalofone a cargo de Celina da Piedade e um trio de cordas, com violino (tocado porViviana Tupikova, que alternou com as teclas), viola de arco e violoncelo, a que se junta mais tarde o guitarrista João Eleutério. O próprio regresso a Cinema e A Mãe é feito frequentemente sem voz, não só em temas que já são originalmente instrumentais, como Comédia de Deus (com a imponência do acordeão e o delicioso andamento a puxar para o tango) ou A Estrada, mas também outros em que a parte vocal foi extraída, casos de La Fêtee A Corda.
A pausa nos temas instrumentais praticamente só acontece com os convidados do novo disco. O brasileiro Thiago Petit sobe a palco para interpretar 3 temas, numa série que se inicia com Rosa.Causa estranheza o facto de ser uma voz masculina (o original é interpretado pela compatriota Rosa Passos), em particular por se revelar demasiado submissa e sem grande chama. Aliás, o próprio intérprete teve a humildade de reconhecer o profundo nervosismo, o que terá seguramente afectado a prestação. Cantou ainda um tema seu, Mapa Mundi, revelando semelhanças inequívocas com a voz de Caetano Veloso, antes do bem mais interessante O Fio da Vida, single de apresentação de A Montanha Mágica, que conjuga bem um lado mais pop e bossa-nova com um sintetizador mais grave e uma guitarra meio western (curiosamente não é neste tema que Tó Trips colabora). Para além dos temas com Thiago Petit, Terrible Dawn conta com a voz gravada de Scott Matthew (bonito, mas falta qualquer coisa para atingir o impacto emotivo deCathy ou This Lights Holds So Many Colours, respectivamente com Neil Hannon e Stuart Staples) e Miguel Filipe (Novembro) esteve no CCB para cantar O Hibernauta. Ele é também o ilustrador da capa do disco e, talvez por isso, neste e nos temas seguintes, a música fez-se acompanhar de algumas imagens outonais, perfeitamente apropriadas ao universo de Rodrigo Leão. Pouco depois, o concerto chegava ao fim, ficando reservados para o encore a maior melancólica de A Mãe (se não estou em erro) e o clássico Pasion, com a voz sempre incrível de Celina da Piedade.
Pois bem, se A Montanha Mágica acaba por ser um disco bem mais interessante e profundo do que revela num primeiro impacto, porque será que fica a sensação de que o concerto foi, apesar de agradável (Rodrigo Leão não dará maus concertos, nem fará maus discos), pouco mais que morno? Talvez porque o percurso do músico faz sempre com que as expectativas sejam inevitavelmente altas. Ou porque o convidado mais importante do disco não esteve em palco. E não, não estou a falar do grande Tó Trips, dos Dead Combo. Mas de Rui Vinagre e da guitarra portuguesa com a afinação de Coimbra (o regresso à portugalidade, tantos anos depois dos Madredeus), que torna A Ventozela num dos melhores temas da carreira de Leão. Ou porque terá faltado a magia triste e arrebatadora de Carpe Diem,Ruínas, Odium, Dragão ou Alma Mater.