É verdade que o verão está a chegar ao fim, assim como a época de festivais. Mas nunca é tarde para dar uma amostra da música que se faz por cá, mesmo que a amplitude térmica das noites da Bairrada comece a assemelhar-se ao deserto do Saara.

Por isso mesmo, a iniciativa do Rockart Bairrada 2010, a primeira edição do festival na Curia, não é senão de louvar, principalmente quando este decorre sem qualquer tipo de apoio camarário. Quase contra a maré, o Rockart aconteceu, teve os seus problemas, sim, mas também mostrou ter as infra-estruturas para estar cá para o ano.

Um dos principais problemas foi, precisamente, o parco público. Ou seja, simplesmente falhou perceber a muito boa gente que o festival ficava a dez segundos de uma estação de comboios que liga Coimbra a Aveiro. Mas já todos sabemos quem fica a perder é quem não esteve para ver.

10 de Setembro (1º dia)

Este primeiro dia era o mais balançado e apresentava as apostas mais fortes a nível de cartaz: bandas como d3öBorn a Lion e Black Bombaim mais facilmente arrancam as gentes do sofá do que, por exemplo, os Kaviar, que têm uma agenda mais preenchida e actuaram no segundo dia do festival.

A noite começou com os locais Flashback. E, realmente, não há melhor maneira de começar um festival do que com a malta da terra. Com as limitações de não tocarem músicas originais, conseguiram fazer o que lhes cabia: distrair e entreter os ainda poucos presentes, e aquecer o palco da melhor maneira para quem se seguia.

Assim, os Conjunto!Evite, com o seu rock directo, mas com direito a algumas jams, deram as primeiras amostras da música instrumental que se faria ouvir no Rockart sem grandes peneiras, nem grandes exageros. De sublinhar o pormenor engraçado: um baixista canhoto que tocava com um baixo para dextros. Não haverá melhor maneira de perceber a situação do que ver as fotografias. Certo é que isso não foi entrave algum para ninguém e os desvarios de inspiração psicadélica e progressiva decorreram sem problemas para a banda de Rio Maior.

Já visitantes habituais da nossa casa, os Black Bombaim, digamos, a rodoviária barcelense, com a locomotiva/baterista Senra, o maquinista/baixista Tojó e com Ricardo a imprimir a velocidade psicadélica à carruagem, passearam a paisagem da Bairrada na sua habitual velocidade cruzeiro: “sempre a abrir,” dissecando riff a riff ao milímetro e tocando-o até à exaustão – só é necessária mesmo a vontade para se aguentar. Presentearam o público, mais abundante nesta altura, com uma música nova, com mais peso e mais potência, sublinhando que não estão para ficar à sombra da bananeira do salto mediático que têm dado.

Pela primeira vez aqui no PA, os d3ö mostraram-se como uma verdadeira falha no nosso roteiro de concertos (e qual é a novidade nesta afirmação?). Tony Fortuna, com muitos cabelos brancos, mostrou que a música que faz vem mesmo do peito e que é mais com ele do que com a cabeça que está em palco. Aliás, a actuação deste trio nascido das cinzas dos grandes Tédio Boys foi mesmo de perder a cabeça. Poucos foram os resistentes que se decidiram a resistir às constantes provocações de Fortuna e companhia, que ora atiravam que o público se tinha ido embora com o intercidades que acabara de passar, ou que afirmavam mesmo que, apesar de serem boas pessoas, os presentes eram um público fraquinho na essência. De provocação em provocação, a coisa foi pegando e a verdade é que se eles continuassem a tocar, ia tudo atrás deles.

Coube, por isso, aos Born a Lion a tarefa de, pelo menos, fazer esquecer as gentes da Curia que Tony Fortuna passou pelo palco do Rockart. Não partiu nenhuma perna, não se despiu, não fez o pino, mas pisou aquele palco e a coisa tremeu. O trio por detrás de Bluezebu, álbum em que se focou a sua actuação, jogou por isso as suas melhores cartas e mostraram os bons discípulos de Black Sabath que eram: riffaria da boa, baixos intensos e graves, e uma voz bem arrastada entre o espaço que restava na bateria (visto que estes papeis convergiam numa só pessoa). Os Born a Lion já não são nenhuns principiantes e isso, claro, notou-se. Assim que se começaram a atirar os primeiros cabeceamentos, enxotaram-se os Tédios das ideias e o espírito entrou no mundo demoníaco dos seguidores de Ozzie e das guitarrias de Tony Iommi. A prova foi, por isso, superada, principalmente pelo visível facto de, apesar das tardias horas, o público não entrar em debandada até ao fim da actuação do trio.

11 de Setembro (2º dia)

O segundo dia do Rockart teve, não só, o dia com apostas mais difíceis de trazer resultados (e isso sentiu-se, de certa forma, no número de visitantes; mas que conste que a competição feito por um bar a dois minutos dali não ajudou), mas também com menos novidades. O segundo dia era o dia do rock, sem invenções e sem grandes avarias, como os bons Rolling Stones o fariam (no auge da sua juventude, acrescente-se).

Mas salvaguarde-se que ninguém ia para a Curia à procura do D. Sebastião da música, porque também não era o local indicado. Na melhor das hipóteses, encontrar-se-ia uns 1,2,3,4 GO! desaparecidos em combate, que não actuaram precisamente por desaparecidos na névoa da região da Bairrada que, como consta, se levanta bem e depressa.

Com a mitologia à parte, os Meu Outro Tanto foram a única banda (das que tocavam originais) a cantar em português no festival inteiro e a entregaram-se a esse papel com muita vontade. O público era pouco e isso não ajudou à actuação do quinteto que, como alguém o disse e bem, musicalmente se situava numa versão algo post-rock de uns Porcupine Tree, numa fórmula mais pop, acrescento eu. Aliás, a fórmula das músicas estava mesmo bem estudada, delineada e trabalhada, respeitando todos os parâmetros de uma boa música pop e eficaz nesse aspecto. Deram mesmo largas à simpatia e arriscaram-se a saber quanto é que estava o derby do futebol nortenho, visto serem da Invicta. O pior é que as resposta foram tão diferentes que só os devem ter deixado mais nervosos. Talvez isso explique o facto de o alinhamento destes tripeiros ter sido, provavelmente, um dos mais curtos do festival.

Os Lululemon, também nada estranhos no PA, é que tiveram o azar de actuarem contra as condições do festival: padecera de um mal chamado “mau som de bateria” que, apesar do que se diz por esses mundos fora, é letal para um power-duo. Longe de estarem ao nível da última vez que os vimos, no Milhões de Festa, o duo de Vale de Cambra encontrou um público pouco receptivo e um espaço aberto e demasiado amplo que, aliado ao dito mau som, lhes proporcionou (à banda) um mau momento. Esta é, definitivamente, uma daquelas bandas que se vê bem num espaço fechado, em que a falta da bateria não fique a pedir, claramente, a presença de um baixo. A verdade é que já os vi em bem melhor forma, por isso também sei dizer que estes rapazes conseguem melhor.

Seguiram-se, então, os Underdogs. Vindos de Aveiro, não se aventuraram, definitivamente, em novidade alguma, mas mostraram que o rock à antiga que fazem é feito, bem, como se fazia à antiga. Desde as roupas a preceito, a passar pelos instrumentos escolhidos a dedo, sem esquecer, sequer, a presença da boa e velha harmónica, nada ficou esquecido neste minucioso processo de reciclagem, que, de resto, há que admitir que está bem feito. E conseguiram mesmo arrancar as melhores reacções dos presentes, o que é, por si só, um feito, pondo-os a dançar e a aproveitar o momento da melhor maneira e encerrando o concerto com aquilo a que parecia ser uma versão da Sympathy for the Devil dos Stones de que falava há pouco.

Aliás, nem mesmo os mais mediáticos Kaviar, que já assinalaram uma presença na edição do festival Optimus Alive!’10, se esqueceram de fazer notar a actuação do trio de Aveiro, dando-lhes publicamente os parabéns.

Com as simpatias sempre na ordem de trabalhos do concerto dos Kaviar, o ponto de partida continuava a ser o mesmo: rock e rock. Desta vez, talvez se equacionasse um pouco de atitude garage na coisa e um profissionalismo mais exigente, com muita troca de guitarras, muito material e, claro, muita roupa a preceito, também. Não conseguiram a proeza de aquecer os corpos de toda a gente e, por isso, tornou-se inevitável que o recinto fosse ficando vazio, mas quem se aguentou até ao fim gostou da actuação imaculada desde quinteto e clamou mesmo por um encore, que foi respondido (sempre simpaticamente). Há mesmo que assinalar que este foi o concerto que protagonizou a primeira invasão de palco do Rockart, com um único membro do público, claramente embriagado, a subir ao estrado para abraçar toda a banda e, de seguida, se juntar a eles a cantar as letras. E acreditem que não é com prazer que vou dizer que a sua voz chegou mesmo a ter um impacto positivo em algumas músicas.

Acima de tudo, o Rockart Bairrada aguentou-se até ao fim e quem lá esteve não se pode queixar (nem que seja pelo baixo preço dos bons e velhos comes e bebes, que mais lembravam uma boa feira do que um festival de música e aos quais não se pouparam elogios). Este é claramente um evento que, com o apoio camarário indicado, pode fazer algum impacto na zona a nível de divulgação na música boa que se vai fazendo por cá. Fica a mensagem.