Através de singelos, médios ou puros LCD portáteis, Lisboa recebe os Rammstein de olhos filtrados pela tecnologia – tantos são os telemóveis que se erguem aos iniciais vultos dos alemães, recordando-nos a satírica frase de Doug Stanhope: “I’m going to film my entire life and watch it later”. Ávida da primeira explosão, da primeira chama, do primeiro estrondo, a plateia parece mais interessada na componente teatral e não revela o espectável entusiamo por Ich Tu Dir Weh – afinal, o que é ela comparada com tantos outros singles dos germânicos?

Não há nada de particularmente errado na atitude do Pavilhão Atlântico: o que para tantas outros é inexistente ou puramente acessório, para os Rammstein é elemento essencial. A sua vertente cénica pesa tanto (ou mais) na balança quanto o chorrilho de canções edificadas sob uma fórmula que se estende desde 1995 – ano de onde a banda repesca Wollt ihr das Bett in Flamen sehen, supra-exemplo do tal “tanzmetall” que os lançou de Berlim para o mundo. A planura rítmica, reforçada por guitarras que desafiam os tectos do decibel e ornamentada por teclados que têm tanto de foleiro, quanto de orelhudo, encontram em Sehnsuchtreflexo do seu mais vital período, cujo apogeu comercial aconteceria com Mutter – disco que provoca finalmente o primeiro cair de queixo lisboeta. Afinal é dele Feuer Frei!, que nunca teme cumprir justiça ao seu nome: o fogo liberta-se de todos os flancos e, por entre os sonoros “bang bang”, desprendem-se as primeiras gotículas de suor perpetradas pelo bafejo germânico.

Com o avançar dos anos, os Rammstein fizeram da ironia outro dos seus primordiais trunfos. Mein Teil, mordaz abordagem a um caso de canibalismo que escandalizou a Alemanha em 2001, é trazida ao Pavilhão Atlântico tal como em há nove anos atrás: o teclista Christian Lorenz (sempre ele) vira vítima das labaredas deTill Lindemann, que o “cozinha” a lume alto num caldeirão – a mesma dupla que (re)protagonizaria, minutos mais tarde, a simulação de sexo anal de Buck Dich inicialmente concebida em 1998. Risos de troça, esgares de espanto e aplausos de contentamento: o que seria, pois então, um concerto dos berlinenses sem todo este folclore, de minudências perfeitamente encenadas?

O ritmo proto-bélico e a desconcertante pose robótica do vocalista até poderiam bastar para fazer das irrevogáveis Links 2, 3, 4 ou Du Hast esteios de um concerto – mas ficariam elas sempre incompletas sem a pirotecnia que visita até a mesa de som, cobrindo as cabeças de uma multidão que enche grande parte do recinto, vociferando os ressoantes e maquinais refrães. Oferecendo a tudo isto contraste, os Rammstein fecham o set com um nostálgico amargor feito a Ohne Dich, e um Lindemannrodopiando sobre si, qual bailarina de caixinha de música – já depois de uma Mein Herz Brennt tocada apenas sob o andor do piano, numa versão-opereta bem conseguida.

Vénia conjunta ao povo português – aqui e ali bandeiras da Suécia e da própria Alemanha, por entre o mar de gente – e saída temporária de palco para um regresso contado de um a dez. No palanque cresce ritmadamente Sonne, quiçá a melhor composição musical do sexteto, para logo dar lugar à sua contemporânea Ich Will, onde Lindemann se aventura por um muy perceptível linguarejar de Camões: “levantem as mãos” diz ele audivelmente, ao contrário de vários momentos em que a sua voz foi afundada pela sempre angustiante acústica do Pavilhão.

A derradeira despedida, à semelhança do sucedido no Rock In Rio 2010, faz-se com Pussy: o frontman assume as rédeas de um canhão gigante em forma de pénis, que vai soltando espuma ao sabor de um nobre e sugestivo refrão “You’ve got a pussy, I have a dick, so what’s the problem? Let’s do it quick”. Paletes de jocosidade e, claro, as derradeiras detonações: são estes osRammstein de 2013, que viajam agora pelo mundo em modo-sinopse (de todos os obrigatórios momentos cénicos só o bote terá faltado), sugerindo-nos que a sua carreira criativa poderá ter terminado há dois anos. O futuro nos dirá, mas há algo de comicamente vitorioso numa banda que implantou o idioma alemão no tão “amerikano” stadium rock.