Nunca é demais começar uma crítica a um disco dos Radiohead sem relembrar o seu passado, que se quer inolvidável. Ao oitavo disco e quase vinte anos depois, os britânicos continuam aí para valer, mesmo que mergulhem, de vez em quando, em mares ainda mais sombrios, mais experimentais ou mais densos, eventualmente.

E é por isso que The King of Limbs se revela o digno sucessor, o filho mais pobre de In Rainbows, sem, com isso, o menosprezar. Já se sabia que a tarefa era complicada, a reinvenção da espiral urbano-depressiva, só que, mesmo assim, conseguimos não nos desiludir. Ouvi inúmeras vezes este disco, antes de escrever sobre ele: pode não entrar à primeira, mas, quando entra, não sai, fica lá patente, arrumado, na prateleira abaixo do Kid A ou do Hail to The Thief, não obstante.

Como Thom Yorke e companhia, na sua campanha pelo não convencional, podemos começar isto pelo final, por puro egoísmo de quem escreve. É que The King of Limbs inicia-se, para mim, pelo seu término: Separator é um tema brilhante, à laia de um qualquer clássico da banda (de repente, surge-me uma House of Cards, de In Rainbows) – o passado em pequenas notas musicais, desde os lamentos destacados deYorke, com a bateria em loop de Selway a ganhar maior forma, até àquela melancolia quase benévola, negra, que acaba por nos embalar.

Contudo, avançando, há uma pitada de nostalgia que não conseguimos disfarçar: tudo – ou a grande maioria das coisas a que os Radiohead nos habituaram – desapareceu. No entanto, se já tivermos ouvido o disco a solo de Thom Yorke, a surpresa desvanece-se. Passaram-se cinco anos desde o lançamento de The Eraser, todavia o génio criativo é o mesmo. Há para todos os gostos: um saxofone aqui ou ali, as tarolas a enfeitar, sintetizadores à vontade do melómano, as guitarras menos contidas e baterias sampladas, embebidas em calda de açúcar. Esta podia ser a receita para Bloom, que já tinha sido pré-enviada aos fãs com as incursões mais ousadas em In Rainbows, ou até de Morning Mr. Magpie (aquele início de And It Rained All Night, do Mr. Yorke a solo não vos traz nenhuma reminiscência?), nervosa e fervorosa consigo mesma.

Little By Little mostra-nos um preciosismo quase científico que já lhes conhecíamos, com o baixo mais presente e com uma maior proliferação de melodia nas guitarras. Neste disco, entre tanto loop e tanta camada de efeitos, a bateria acabou por ficar em segundo plano, mas Feral recorda-nos do contrário: há vida na secção rítmica, mesmo que agudizada nas dores de sintetizadores tristes. Na parte dos bombons, temos Codex, revitalizando as teclas esquecidas desde Everything In Its Right Place, de Kid A. Aqui, vemos uma tristeza melódica, mais simples, menos ornamentada do que o restante álbum, mas, talvez, mais verdadeira, mais Radiohead, por assim dizer. Give Up The Host também nos entranha mais e estranha menos: as cordas mais melodiosas, acompanhada por back vocals e, claro, Thom, estão connosco desde um(Nice Dream), do The Bends, por exemplo.

Para o fim, deixamos o single de estreia, Lotus Flower. Na parte das coisas estranhas, ainda nos falta engolir a dança no vídeo. Só que, como fãs que somos, deixamos isso para o lado e comemos a fatia com cobertura – o facto de o tema conseguir antever o que temos pela frente. O que é isso? A soma que 2 + 2 = 5 é uma realidade em Radiohead, a capacidade de mesclar menos baterias com mais ritmos, falsettos com menos falsettos, arranjos cuidados com sons mais inorgânicos, grandes clássicos do rock com excursões à electrónica. Basicamente, olhando para este texto, é isso que os Radiohead são… um grande pedaço de história, carregado de pequenas estórias, umas melhores, outras piores. E The King of Limbs é só mais um capítulo, aguardemos pelo próximo.