De quando em vez, somos assaltados por pensamentos que ultrapassam a razoabilidade, por sentimentos que nos esmagam para lá dos nossos limite. Lutamos para os fazer desaparecer, negamo-los até mais não nos livramos deles e acabamos por aceitá-los, até mesmo a permitir que eles se instalem em nós, que façam parte de nós e que nos mudem.

Mesmo que isso signifique uma pedra constante no nosso peito, um peso na consciência ou uma consequência dolorosa, que nos faz lembrar que somos humanos, que erramos, e que sentimos. E, por vezes, deparamo-nos com a materialização crua e dura destes sentimentos, de algo que imaginávamos como pertencente ao mundo das ideias. Apercebemo-nos de que há sentimentos que confluem, transversalmente, no mundo e apercebemo-nos de que não estamos sozinhos.

Em Rancor, esta ideia, esta comunhão, é distorcida ao ponto de serem as máquinas a dar-lhe forma. Nunca o homem, esse amontoado volátil ao sentimento, seria capaz de materializar a abrasão que a mente cria, acirra e acicata em nós. Em quatro peças mudas em que o ruído é a palavra primordial, a máquina mostra-se tão convulsa como o interior do ser humano – como se um espelho diante de nós nos colocasse em confronto com a inerência dolorosa que negamos à natureza.

E, surpreendentemente, a máquina fá-los parecer naturais, quase quentes e convidativos, e nunca frios. Da exaltação, à depressão, do negrume à (parca) luz, da convulsão à exaustão que nos arrasta e derruba em última instância, a música maquinal de Ricardo Remédio (Löbo) é açambarcadora do homem.

Mesmo que no final haja uma fresta que quase deixa entrar a luz,Rancor foi feito pelas máquinas, mas refleCtindo o homem, a sua natureza e o seu interior no seu estado mais auto-destrutivo.Rancor foi composto para fazer pensar, doer e remoer sobre o inóspito e o cru, no limite da nossa própria resistência, no confronto de nós mesmos.