Sublinhando a máxima de Lavoisier, Homme, por entre labutas que o juntaram a Dave Grohl e a John Paul Jones, nunca desejou perder a sua moradia capital. Por mais sedutoras e descontraídas que as suas incursões de férias fossem, ora nos doutorais paraísos rock n’roll dos Them Crooked Vultures, ora por detrás das macaquices árticas de Alex Turner, o homem-deserto, puro engenheiro da idade da pedra, apenas pretendia redimensionar os ângulos de uns Queens of the Stone Age que demasiado previsíveis foram nas contracurvas de Era Vulgaris.

Seis anos de ausência ministraram-lhe os intentos e, em 2013,Homme surge ao volante de uma bulldozer que transfigura as dunas de Palm Desert. Opondo-se ao que seria expectável, face à lista de convidados, o arquitecto do “robot rock” não foi buscar os mapas de Songs For The Deaf, apesar de ter recontratado alguns dos seus obreiros: temos Nick Oliveri a oferecer tímidos back vocals (nada de berraria à Tension Head), Dave Grohl em seis das dez malhas (as outras dividem-se entre Joey Castillo e o actual baterista Jon Theodore [ex-The Mars Volta]) e Mark Lanegantambém numa curta e sussurrante aparição. Mas …Like Clockworknão se define pela volátil assertividade que há dez anos os QOTSApasseavam. O rock sólido como diamante de Rated R ofereceu licença a uma contemplativa valsa blues, primeiramente construída em Lullabies To Paralyze, perdida logo depois em Era Vulgaris e agora resgatada num impulso mordaz.

Convenhamos: a delirante festa saciada a nicotina, vicodin, marijuana, ecstasy, álcool e cocaína não poderia estender-se ad eternum. Além do mais, do que valeria, por uma noite, recuperar o travo juvenil pós-Kyuss de No One Knows ou Regular John? Nostalgia? …Like Clockwork cospe um intrépido “I don’t give a shit” nessas ambições e prefere não só dar lustre ao groove “shake that ass” de If I Had A Tail, onde o riff balança nas esferas construídas por Billy Gibbons, como encher os seus três quartos-de-hora com uma aparente crise de meia-idade, recitada exemplarmente ao piano de The Vampyre of Time and Memory. «I want God to come/And take me home/Cause I’m all alone in this crowd», diz-nos. Deixa lá, Homme, acontece a todos. …Like Clockworkpropaga-se através dessa dicotómica abordagem: de um lado a pose badass-macho-alfa vertida sobre os acordes alcoólicos deSmooth Sailing; do outro, uma inquietação transcrita na pop-exquisite de Kalopsia, Bowie por demais, e auxiliada pelo admirador-mor do camaleão: Trent Reznor.

O sexto disco dos Queens of the Stone Age nunca omite essa dolência fruto de um conturbado processo de gravações, onde Castillo abandonou o navio, e Homme se viu tentado a rasgar os planos de reestruturação. I Appear Missing, num paralisante mid-tempo adornado pelas guinadas à Grohl, satura-se de uma melancolia que a torna rainha. Like Clockwork, tema final, carrega às costas o piano que a faz balada, despedindo-se através de um verso atemorizante «It’s all downhill from here», cantada como seJosh tivesse queimado as pestanas a ouvir o canónico After The Goldrush. Mas, como bom chefe das Desert Sessions, King Baby Duck (como lhe chamam os Eagles of Death Metal) revitaliza-se junto dos amigos: Fairweather Friends é uma magna reunião de vultos, deslindada sobre as palavras escritas por Lanegan, os audíveis coros de TrentNick Oliveri e, mais do que tudo, sobre o atilado piano de Sir Elton John. Top.

No retorno a uma editora independente, os Queens of the Stone Age manifestam a sua mais aguerrida pulsação desde aquele disco que todos veneramos. Polido, de filigrana dançante, …Like Clockwork dispõe sobre a mesa as coordenadas para um Hommeacabado de entrar nos quarenta. Há nele imperfeições – I Sat By The Ocean afoga-se no seu genérico trejeito, por exemplo – mas há, acima de tudo, a redescoberta da arenosa solidez de um deserto que pode ser perigoso até para quem lhe é nativo.