É difícil contrariar a genialidade apocalíptica dos Neurosis de quando o Steve Von Till tinha ainda cabelo. O período “Pain Of Mind” // “Souls At Zero” foi particularmente incomum; o crust não-dogmático dos Amebix, bem longe de ser só disbeat e antevendo ao mundo a sobrevivência apenas se antes pendurássemos sacerdotes e aristocratas pelo cachaço, parecia ter-se-lhes metido no sangue – em 1992, por exemplo, os Neurosis conseguiam transfigurar em palco a “Saturday Night Holocaust” dos Dead Kennedys num fresco tão inquietante quanto o “Black On Maroon” do Rothko: enfermo, violento, o hino de morte à obediência.
Nesse ano, e ainda na Alternative Tentacles, conseguiram chegar à Europa – eles, os Neurosis, que cresceram de squat em squat, de armazém em armazém, às vezes com a sorte de testemunharem um ensaio dos Melvins no quarto ao lado de onde dormiam e tocavam. Os que com eles se cruzaram, no Velho Continente ou numa América em ebulição underground que marcava gigs como este, ficavam tão tolos quanto incrédulos. Diz o Max Cavelera que os Sepultura só entenderam ser possível tocar a “Kaiowas” ao vivo quando se cruzaram com os Neurosis:
Foi uma das bandas pesadas que a gente viu – eu, o Iggor e todo mundo – naquela época, que tinha um lance de percussão. Um lance totalmente diferente da gente, meio industrial, sei lá… Nem sei categorizar o Neurosis. O Neurosis é uma banda completamente diferente de tudo. Mas, bom, eles tinham percussão e já a gente viu um show deles e ficou “oh! Que do caralho”. Eu lembro que o Iggor disse: “que doideira que os caras estão fazendo”. Meio que a semente veio daí. Não lembro exatamente qual foi a ordem, mas quando eu fiz o Nailbomb, o Dave (Edwardson), baixista do Neurosis, tocou baixo nos nossos shows ao vivo.
Agora, tantos anos depois, os norte-americanos continuam naquele caminho seu, que vai deixando uma torrente de copycats mundo afora. Foi tanta a contrafacção, no som e nas projecções vídeo, que hoje os Neurosis tocam na penumbra, sem visuals alguns, longe das modinhas, dos cultos. Se todos escolhem a esquerda ou a direita, o mais provável é encontrarmos o Scott, o Steve, o Noah, o Dave e o Jason tipo José Régio: «sei que não vou por aí».
O blá, blá, blá vai longo e não serve este texto de prelecção para a entrada dos Neurosis no Panteão ou coisa que os valha. É só uma regressão momentânea a 1992, quando, em Itália, corria Outubro, eles fizeram isto:
A cortesia é toda da KillTheCat, source obrigatória e atolada de relíquias. Apesar de incompleto, os 53 minutos de concerto dão-nos o seguinte set:
- “Souls At Zero”
- “Saturday Night Holocaust” [Dead Kennedys]
- “Stripped”
- “A Chronology For Survival”
- “Takeahnase”