Não é de todo a primeira vez que Peter Murphy visita o nosso país. Muito menos é a primeira vez que pisa o palco do coliseu dos recreios. Foi, no entanto, a primeira aparição somente com músicas de Bauhaus em nome próprio. Banda fundada em 1978 em Northampton, no Reino Unido, onde se consagrou como vocalista e ícone no que aos circuitos mais obscuros da música diz respeito. Quebraram as amarras secas do punk para emergir em terrenos pantanosos e negros que, até então, eram desconhecidos. Permitindo que outros movimentos musicais e estéticos surgissem, nomeadamente, a banda é tida como criadora do estilo gótico.

Pontualidade inglesa: às 22h, Peter Murphy entra em palco como é habitual – um sex symbol vampiresco, de gestos graciosos e indeléveis – a movimentação do veterano músico é a de um deus em breve aparição terrena. O set list inaugurou-se com “King Volcano”, mas foi apenas à terceira, com “Double Dare”, que as vibrações entusiásticas próprias de um coliseu cheio e se repercutiram.

Os êxitos de uma longa carreira sucederam-se recebidos por uma plateia oscilante entre o entusiasmo epicurista de quem ouve clássico e a apatia tecnológica. Uma quantidade industrial de todo o tipo de maquinaria high tech nas mãos de 70% do público será a razão, diz o PA’. A emoção que a música ao vivo proporciona, filtrada por um ecrã seja de quantas polegadas for, perde-se. Contudo, por mais gês que o equipamento tenha, impossível demonstrar indiferença a “Bela Lugosi’s Dead” cantada com todo o feeling pela imaculada voz do lendário vocalista. Não existe qualquer elemento visual ou cénico que preencha espaço ou atenção, o icónico intérprete britânico é a principal atracção da noite e não logra tal expectativa.

“She’s In Partie” foi recebida também ela em grande harmonia de vozes e corpos que se agitavam ao ritmo lúgrebe da canção do álbum Burning from the Inside, saído em 1983. O lúgrebe acentuasse, descemos mais um andares no subsolo com “Dark Entries”, esta que abre caminho ao final da actuação convencional dado por “Severance” (tema cover de Dead Can Dance). Grande ovação à saída a repetir-se na entrada para o encore, feito com Peter Murphy profeticamente a declamar “Marlene Dietrich’s Favourite Poem” onde, no final, com o toque de impacto que se exige, surgiu “Ziggy Stardust” . Eterno hit de Bauhaus, tema cover do não menos icónico David Bowe, sem espanto, a tomar o lugar do momento alto da actuação.

Ainda houve tempo para Peter Murphy dar o ar da sua graça no que toca à humildade, trazendo ao palco os elementos de back stage para um agradecimento final; muitos beijinhos lançados à plateia, uma repenicada e contínua ovação conduziu a lenta e aparentemente definitiva saída. Foi notório que, durante o decorrer do espectáculo, Peter Murphy e músicos ficaram satisfeitos com a larga e embevecida plateia deste coliseu. Como tal, depois de alguns minutos de turpor gerado pelos meios utilizados nestas ocasiões, a banda entrou novamente em palco para brindar o público português com um segundo encore. Algo que, nesta tour, aconteceu muito pouco e este nem foi igual ao último, feito na Alemanha. Primeiro com “Telegram Sam”, canção cover de T-Rex, esta antecedeu “Spirit”, que encerrou mais uma memorável passagem do britânico pelo nosso país, não restando dúvidas das saudades que Portugal tinha de ouvir Bauhaus ao vivo, numa ovação final que foi capaz de fazer o Senhor Do Obscuro Peter Murphy oscilar de regozijo.