Daquele que foi o último concerto de 2010 organizado pela promotora portuense Amplificasom, muita coisa há para contar: anunciou-se um grande nome para 2011, Scott Kelly; uma sala cheia embalou-se nas estórias do português e convidadoAzevedo Silva; a mesma sala cheia riu-se e enlevou-se com as melodias de Peter Broderick e apreciou o experimentalismo e a teatralidade de Greg Haines, que seria, aliás, o primeiro a pisar o palco.
Greg Haines iniciou em frente ao computador, mais do que um concerto, um verdadeiro ritual. O seu propósito era a iniciação de um público maioritariamente presente pelas canções cândidas de Broderick à sua construção musical quase-industrial. De camada em camada, quase de forma aleatória, a música do britânico deixava de despertar a curiosidade entre o público para o impressionar com a beleza do violoncelo, do piano, da voz e da manipulação de Haines, que se mostrou verdadeiramente inspirado em cada clímax que surgiu ao longo do seu alinhamento ininterrupto.
A chave da actuação de Greg Haines foi a solenidade cerimonial de cada gesto, lento e preciso, provocando o silêncio absoluto na sala, apesar do baixo volume da música. Sempre com o público bem fisgado, mesmo no culminar deste primeiro concerto, Peter Broderick sobe ao palco para se juntar à sessão solene do músico britânico e quebrar a repetitiva que começava a fustigá-la: com um acumular de intensidade, ambos os músicos foram aumentando a velocidade dos seus movimentos e do andamento da música, encerrando-a com um momento de puro ruído, que se precipitou num silêncio imediato.
O senhor que se seguiu foi Luís Azevedo Silva, músico de Lisboa, que editou, este ano, Carrossel, o seu terceiro disco de originais. Azevedo Silva é uma personagem simpática: elogia Greg Haines e conversa com o público, algo que se adequa com a música que canta. É que Azevedo Silva é um contador de histórias, daquelas que podemos ouvir de olhos fechados, ora com um sorriso, ora mais afectados pelas mensagens fortes da sua música. Acompanhado por Filipa Vale (que já colaborou com os You Can’t Win, Charlie Brown) no violoncelo, Azevedo e a sua guitarra acústica levaram-nos numa pequena viagem entre outros discos do compositor alfacinha. Entre a intervenção e a inspiração, Azevedo lança o repto com um tema de Tartaruga (o seu disco de 2007): chega-se ao fim do ano e fazem-se topes de concertos, mas nem sempre se olha aos números de mulheres assassinadas pela violência doméstica, daí que esta canção aborde esta temática, cruamente.
Porém, os melhores momentos estavam reservados para o final da actuação. A Mãe, canção que integra o último trabalho do cantautor, entra-nos na pele e não sai, tal a carga emocional – ainda no seguimento da temática anterior -, com os acordes de violoncelo e de guitarra em perfeita harmonia para nos dar, gratuitamente, uma dor. Daquelas dores que sabem bem quando ouvimos uma música. Ainda nos bons instantes finais, houve tempo para a resposta de Azevedo ao portuense Foge Foge Bandido, ou Manel Cruz se preferirem, com A Canção da Canção Mais Triste, último tema deCarrossel.
O último a entrar em palco foi, claro, o cabeça-de-cartaz, Peter Broderick, que todos ouvimos na série Grey’s Anatomy, com o tema With The Notes In My Ears. O ex-membro dos Efterklang (que, recentemente, passaram por cá, para um concerto no MusicBox Lisboa) cedo mostra que é um entertainer: não pára quieto no palco, entre instrumento e instrumento e faz toda a gente rir com a sua descontracção (a certa altura, em tom de brincadeira, pergunta se “Is Greg Haines here?”, a chamá-lo para o palco para efectuarem um dueto da canção, já mencionada, da série televisiva).
Contudo, este lado mais relaxado contrasta com a sua música, que imprime emoção. How They Are e Three Film Score Intakes, os seus últimos registos, lançados este ano, estiveram em destaque, sempre com a matriz folk-rock e, por vezes, ambiental que caracteriza os (muitos) trabalhos deste norte-americano. No palco, havia toda uma montra de instrumentos musicais – desde o piano, passando pela percussão, violino ou guitarra e até um serrote que tocou com o arco do violino -, o que enriqueceu a sua performance, visivelmente agradando ao público.
Peter Broderick é um artista muito próprio por nos oferecer, gratuitamente, quer a sua melancolia, quer uma entrega e simpatia fora do comum. Chegando a descer do palco, corre a sala a cantar e de violino em riste – para gáudio dos presentes – e até há tempo para um a capella.
Já para o fim, mantendo o registo intimista da actuação, Broderick começa a confessar-se, afirmando ser triste partir de Portugal, depois dos espectáculos em Coimbra e na Madeira. “This song was written by my father and he used to play it to me, when I was young. And I learned how to play it”, conta-nos. Com esta introdução, Broderick sauda-nos, ora em cima do piano, ora em cima de uma cadeira, com mais um tema, uma breve passagem por loops, como se dissesse “Olha como estou crescido, pai”.
No encore mais do que merecido, Broderick “says goodbye to you often”, com Hello To Nils, a coroar, assim, uma bela e tocante noite no Passos Manuel.