Chega de enlatados, chega de vos aturar como grilos bulbosos de óculos redondos que se encaracolam e tropeçam na minha tenda, chega das guitarrinhas acústicas dos Nick Drakes de plantão, chega dos mamutes peludos que andam com o peitoril à mostra no ritual de um Dom Juan gangrenoso, e porque é que chove sempre também, atolo os tornozelos numa masmorra viscosa de carneirada felpuda que me dá volta ao tripa a cada declaração vazia sobre os The War On Drugs, mas nestas casas-de-banho eu não arrisco amigo, pelourinhos de bosta grisalha, cidadelas de merda espetada em ângulos oblíquos, riachos de mijo asséptico que se mexem em carrossel com a velocidade de uma administrativa sob expediente, a bexigosa acidez da urina tem garganta, faz fsssssss, repitam: fssssss e mesmo assim soa melhor que o Padre João Mistério, passo os meus dedos feridos de velhice pelos cabelos empapados em tédio, vêm três ou quatro atrás que já não aguentam mais, giram-me um charro como um repórter que estica o microfone para auscultar a minha opinião, mas ela é tão negra como o meu pulmão, sou aqui banalmente óbvio em cada patada de texto enquanto devolvo a Banda ao Mar, mas nem ele a quer, cá está ela outra vez a boiar pela margem, alguém sentado atrás pergunta se é a banda do Titanic, ninguém ri por respeito ou ódio, e há outras coisas deste sábado que nem vale a pena entender, avancemos tacitamente para dois pontos:
A) FUZZ. Sou sensível de estômago e só de me lembrar da conice dos Temples horas antes quase me nasce uma úlcera de intolerância, como é que aqueles gajos concentram tudo o que há de errado com o renascimento psych, entre o ébola e conviver no mesmo espaço com os gatinhos amestrados de Tame Impala dêem-me já o bilhete para a Serra Leoa que eu vou de boca aberta a distribuir beijos de língua, sempre me despeço com dignidade, mas depois há os FUZZ e aquela rock-autoridade que põe tudo na linha, um antisséptico que lava a pronto a speed, grasnidos que arrastam tudo para as grades numa osmose inflexível de ossos, frenesim de confiança porque isto é bom pá, os seguranças espavoridos grunhem palavrões sinoviais que poucos entendem, fitam um mosh clandestino com direito a expatriação para intolerantes, há quem se ofenda entre pontapés na bacia e lambadas na nuca, não chora menino, é a autodeterminações dos loucos e drogados, esse clube, pago quotas desde que nasci, o meu pai fez-me sócio com uma ecografia cor de nada, e lá vêm os FUZZ sem descontos, sem borlas, temos de pedir fatura caralho, eu vou deixar gorjeta, foda-se, eu vou deixar a carteira, documentos e chave do carro, levem-me tudo, só não me levem o meu Francisquinho.
B) THE SOFT MOON. Tenho as fossas nasais tão brancas quanto as do Dani numa noite de Amesterdão em 1997, há uma red light que se acende espirrada sobre o Minho, naquele verde útero que agora de madrugada ninguém quer deixar, mãe, MÃE, deixa-me voltar, fecho os punhos cobertos de suor, as neuralgias pedem para sair mais cedo, parachuto um comprimido de DOB, e alguém trouxe anfepramonas numa caixinha de enfermeiro para qualquer emergência, dá cá isso, nem que agora me arrancassem as pernas sangue frio alguém me pararia amigo, mexo-me como arregalado um bichinho de estimação que descobriu já não precisar de dono para levá-lo à rua, aproxima-se a excitação eterna do after-hours, aquela oscilação psiquiátrica de uma cantilena post-punk que ganha corpo na depressão adiada, é uma tristeza que aprende a dançar de repente, os olhos plosivos que dela se desprendem chamam-me para um baile doente, conduzo-a pela cintura, é loira, ofegante, uma estranha cambaleante que se prende de unhas no meu pescoço, a volúpia feminina que me deixa na fronteira de voltar a acreditar, e nas minhas costas “Deeper” galga o crepúsculo numa orgia tornádica que ameaça atrasar o sol, a dança mexe-se na locomoção de luzes baixas, mãos inconscientes com dons de previsão antecipam os movimentos de um sintetizador de ancas largas, sinto o mundo nos meus polegares, sinto as tuas ondulações lúbricas nesses longos cabelos loiros, e tu, tu não me metes medo Vásquez, eu soube de tudo antes de tempo.