Fileiras de gente, maltrapilhos de verão, casas de banho adelgaçadas num enorme paul de esterco, um acre odor a urina, silhuetas enxutas de quem veio mesmo agora do Taboão –Gonçalo, tu aqui?! –, narinas emboloradas de uma humidade que jamais deixa o Minho em paz, garotos anónimos que tropeçam na falta de piada, putos erráticos que aguardam outro álbum de TOOL mas quem é que ainda liga a isso, pá? – ficam a olhar para mim os gajos.

De focinho cerrado andam os fotógrafos como se na mala levassem a cura para o cancro do pâncreas ou a chave diplomática para o Paralelo 38N,em surdina vão-me garantindo que a SIC ainda é um canal de televisão, choro por dentro ao sabê-lo mas não deixo que me vejam – há quantos anos, Gonçalo, que é feito de ti! –, franzo os lábios gretados pelo sol que trabalha em horas extra, forro o estômago com outra Buckwast e sobram-me as ganas de vomitar em quem tem pés feios, gandulos e gandulas numa horda de gente bronzeada que se reproduz em ligações Wi-Fi – onde estás a viver? Desapareceste mesmo do mapa! –, magotes que se precipitam colina abaixo num revanchismo saudosista com cheiro a terra porque é hora de Gala Drop.

Pergunto a um desconhecido se estou em Sines, ouço um tribalismo que se come às colheres, mas eu não provo, eu não vejo, eu não sinto, o Liam agarrado ao Livescore diz-me que é golo do Celtic e o céu tomba vetusto sobre nós como um dealer sisudo de sonhos por cumprir, o torpor clama-me, leva-me pela mão, oximorfona bêbada de vinho, caracóis aloirados de uma estrangeira que me pede isqueiro e eu nem luz para mim tenho, vou tropeçando em opúncias desmaiadas até lá abaixo, tenho vontade de andar à chapada contigo durante Ceremony.

Mas estes Ceremony têm a picha mole, não são os mesmos, porque é que as coisinhas boas se vão tão depressa e não voltam, deram-me promessas de punk e ouço agora salvas de un sInterpol que se encontram numa feira da ladra, o vendedor manhoso de cicatrizes na bochecha tenta impingir-mos por serem da Matador. Estou-me a cagar para isso, pá. Topo-os num burburinho anestésico pelo palco, transpiram sei lá eu como, lembro-me do “Rohnert Park” e eles vêm com a “Terminal Addiction”, uma muralha de pés descalços se levanta, mímulos de areia se erguem para pintar aquele final de tarde num pálido castanho de poeira, como cães eles ladram vitupérios, quero escarrar na cara do segurança, é agora!, é nesta do “Violence, Violence”, o Malmö reduziu o placard em Glasgow, pegam-me nas pernas e atiram-me para uma bocarra de gente, é tão bom ter vícios de animal, e o concerto acabou.

Uma deambulação de crânios encosta acima, aquele casal de holandeses ali carrega forte nos érres e eu meto conversa no frouxo alemão que a minha avó me ensinou, fumamos uma que esvoaça num tropel de fumo para o infinito e eu quero ir também –I’ll see you in a bit –, mas só vou até onde os meus amigos me deixam, viver na Escócia há tanto faz-me perguntar quanto está o Celtic como se a minha arregalada existência dependesse disso, mas não, depende do que se escreve em letrinhas pequenas a que ninguém liga antes de assinar.

Os Blood Red Shoes cheiram a uma vulgaridade boa, ela a vocalista esconde labaredas naqueles olhos quietos, o Callum insulta-os por serem ingleses, rimo-nos, somos sete anónimos sem verdade alguma para te contar, podes parar de ler por aqui. Uma espuma bordada cai daquela guitarra insone, duas portuguesas ao meu lado oscilam numa dança cerimonial inventada naquele metro quadrado de nada, movimentos ágeis de quem ainda não bebeu o suficiente, um bolor de sombras engole a clareira onde milhares de corpos, tecidos e pêlo se camuflam numa maré barrenta de argila rock, o Celtic ganhou – We gotta celebrate that one – e os Slowdive são a seguir.

Um adolescente clamor come-nos as veias, trocamos a nossa consciência pelo sonambulismo narcótico que as nossas carteiras segredam, horizontes de algodão pintados de negro doce pelo shoegaze, putos coagulam na parola indiferença, mas nós caminhamos agarrados até ao séquito de uns British arseholes que sabem soprar fiapos de tristeza anecoica, ali estamos à frente, ou não estamos?, sob uma noite nua, um melífluo casulo trancado pelo reverb, grito a um fotógrafo para que fique quieto com a câmara, caralho, não quero que lhes roubes a alma, não a mereces os Slowdive são maiores do que tu, o Liam ergue uma bandeira irlandesa como se estivesse em Glastonbury, o estúpido.

Temos os trapos manchados de uma doce mentira que faz eco e adormece, somos um género de cobardes fugitivos condenados à verdade oblíqua de “Souvlaki” e ninguém arriscar desfazer sequer um daqueles silêncios, a nossa fealdade carnal contra a beleza pulcra do que não morre nas mãos dos Slowdive, trespasso-me à vontade deles, meto-me às tuas cavalitas e já não volto, os TV On The Radio passaram noutro canal.