Quando regressamos ao recinto do festival para o último dia de concertos, já atuava o projeto portuense :papercutz, no palco secundário. A banda liderada por Bruno Miguel apresentou melodias com refrescantes sintetizadores, numa tarde de intenso calor. O toque glaciar e melancólico do seu som, misterioso e denso, conquistou aqueles que procuravam perceber as virtudes de um projeto maduro e já rodado em lides internacionais, como no festival SXSW.

Por sua vez, no palco Vodafone, era a vez do trio barcelense Black Bombaim mostrar todo o seu talento acompanhados por Shella nas teclas e Tiago Jónatas no teremin, a contribuírem para as mais cuidadas ambiências psicadélicas. Também Pedro Sousa e o seu saxofone deram uma ajuda para mais um memorável concerto da banda (cada vez melhores, por sinal). Uma das coqueluches daLovers & Lollypops, em palco, para uma grande amálgama de influências que bebem ao stoner, ao sludge, ao doom e até ao progressivo. O fogo da guitarra de Ricardo Miranda cruzou-se com o groove sombrio do baixo de Tojo Rodrigues ao qual se juntou o poder da bateria de Paulo Gonçalves. O resultado foi um ambiente tenebroso e imponente através duma jam infernal  e complexa. A força da criação e a natureza refrescante e original do seu set cativaram os mais cépticos através de obscuros riffs de guitarra. Convencemo-nos aí, que estávamos perante o primeiro grande momento de uma noite que viria a revelar-se inesquecível.

Entretanto, no palco secundário, os americanos mostram um pop psicadélico de estética lo-fi. Matt Mondanile, que também é parte dos Real Estate, deu um carácter lânguido, com reverberações de guitarra numa fusão de espírito surf, synths e melodias exóticas. Respira-se melancolia na música da banda, universo “dreamy” é presença constante e também há sensualidade nas melodias. Os bons ritmos e os cintilantes sintetizadores criam leves hinos que dispõe bem.  É com o  carácter sóbrio do grupo que percebemos o talento existente, os bons executantes da banda e as boas ideias acrescentam doçura a uma performance que combinou de óptima maneira com um radioso fim-de-tarde.

Os Palma Violets são uma das bandas sensação de 2013 e isso sentiu-se também no recinto de Paredes de Coura. A primeira fila, preenchida por meninas (grande parte delas – arriscamos – menores) estava em pulgas pela actuação do quarteto londrino. Os vários cartazes com declarações de amor reforçavam a ideia de que a banda vive um momento de grande sucesso e que o timing da sua actuação é perfeito.

Os autores de Best of Friends – que, coerentemente com o que se disse acima, é um dos temas com mais rodagem do ano – são ainda jovens e seguem as pisadas de uns Arctic Monkeys antes de estes atingirem a maturidade. Ao vivo foi possível constatar a aspereza da sua música mas esta aparece também engalanada com refrões fáceis e com algum cuidado pop. Há pozinhos de garage e de punk cujo espírito de javardice é retratado na irreverência de Chilli Jesson que contraria totalmente o estereótipo do “baixista entediado” que tanto povoa o universo indie.

Corações ao alto, chegou Matthew Houck ou senhorPhosphorescent, acompanhado da sua pandilha para alimentar o nosso lado mais sentimental. O intimismo da sua música contemplativa contrastou com a energia estridente de outros momentos. Entre uma maré de cordas e teclas, surgiram com elegância grandes canções como Terror In The Canyons ou Song For Zula. A emoção apoderou-se rapidamente da plateia, não fossem a maioria das canções de Muchacho (2013) de alto gabarito, empolgantes e muitas vezes comoventes. Pena que o seu folk rock tenha sido interrompido pelo inicio do concerto de Calexico porque em condições normais, a solidez de Phosphorescent enquanto banda chegaria para manter a apoteose, sem desistências e com muito amor. Todos os reagentes para tornar o crescendo épico, dramático num momento  especial para o festival justificaram o hype em torno desta banda.

O concerto dos Calexico veio comprovar o destaque que esta banda sempre merece. As barreiras do indie rock e do country são rapidamente ultrapassadas e esta banda Tex-Mex acaba por cruzar influências da sensual e vibrante música latina, que ajudam a temperar as suas melodias. É sem grande espanto que os tons quentes da sua sonoridade, misturados com a voz aveludada deJoey Burns agitam a nossa sensibilidade com cantorias certeiras que combinam letras evocativas e comoventes e histórias dramáticas. A espontaneidade do show surpreendeu e é sem grandes truques que a pequena orquestra nos deixou de queixo caído.

Para isso contribuiu a grande variedade de recursos utilizados que passavam pelo acordeão de Martin Wenk e pela steel Guitar de Jairo Zavala, acrescentando um colorido diferente ao certame. O ritmo da bateria de John Covertino guiou-nos por um trilho paisagístico original, digno de qualquer western spaghetti na rota do Sudoeste dos Estados Unidos, muitas vezes caracterizado. Talvez por aí, as suas melodias sejam incluídas com um rótulo denominado “desert noir” e o lado sombrio de Epic, Splitter ou Puerto de Algiers (2013)  dê um toque de misticismo à sua música. Por outro lado, há a claridade  dos trompetes mariachi e a voz quente de Jacob Valenzuela, que chama a atenção nas mais  latinas Roka e Inspiración, onde ocupa o lugar de Amparo Sanchez.  A maturidade da banda notou-se, quando nos forçou a uma total montanha russa de emoções. Nas canções mais lentas, a intensidade e profundidade da interpretação de Burns impressionou enquanto em canções como Alone Again Or (cover dos Love) ou na inevitável Guero Canelo  o entusiasmo rapidamente se transformou em dança. A barreira da timidez do público foi-se desmoronando ao longo do concerto, e no final todos pareciam rendidos ao grande talento da banda de Tucson, que mereceu uma longa e carinhosa ovação. Fizeram por merecer a mais terna vénia, tendo em conta o espetáculo brilhante e meticulosamente preparado que foi apresentado.

Enquanto isso, os Bass Drum Of Death iam oferecendo desenfreadas doses de rock de garagem. Do alto da sua energia e com laivos de lo-fi e a constante mudança de ritmos, camadas de feedback, fuzz e reverb’s de cada riff que brilham intensamente algures encaixado numa sonoridade retro, com melodias cativantes, cheias de distorção, furiosas e algum toque de sensibilidade pop embutido. O concerto é uma experiência divertida, caótica e pontualmente “glam” ou “punky”. A lição de rock de influência dos anos 60 é fácil detectar toques de psych-rock e pontualmente acid-rock. Foi um concerto baseado nos pormenores, onde as trilhas sonoras mostraram muitas vezes texturas mais complexas mas concisas, com uma energia inesgotável.

Passava já das 22h quando os corações dos melómanos – bem apertadinhos enquanto esperavam pelos Belle & Sebastian – puderam finalmente bater livremente e extravasar de alegria perante os momentos que se seguiriam. Não era caso para menos – a banda de Stuart Murdoch é como uma bíblia sagrada do twee-pop e, a par dos Calexico, eram um dos momentos mais esperados deste festival. Tal como a banda de Joey Burns e John Covertino também não terão desiludido ninguém.

Sem pisar palcos portugueses há mais anos do que seria desejável Stuart Murdoch prometeu tocar alguns temas antigos e, acrescentou como provocação, alguns temas não tão antigos. De facto o alinhamento foi bem dividido entre The Life Pursuit (2006) eIf You’re Feeling Sinister (2005) – talvez os discos mais aclamados da banda – sem esquecer algumas canções incontornáveis comoThe Boy with the Arab Strap e I’m a Cuckoo ou o recente Write About Love (2010).

A nostalgia é ponto forte das canções dos Belle & Sebastian. As suas perfeitas canções pop possuem a dose certa de açúcar e amargura levando-nos simultaneamente a celebrar e a entrar num estado incurável de melancolia. Num palco cheio pela numerosa banda e por inúmeros membros do público que foram convidados a dançar em palco, foi a parte celebratória que mais sobressaiu naquela festa inesquecível para os milhares que forraram de calor humano e emoções à flor da pele o anfiteatro natural de Paredes de Coura.

Escolhida a dedo de uma discografia riquíssima, a última canção foiGet Me Away, I’m Dying. No fundo todos morremos um bocadinho ao ver a banda sair de palco sem que pudéssemos fazer mais do que aplaudir com os corações ao alto tentando impedir o final do concerto. As lágrimas podem até ser lavadas do rosto, mas a memória do que ali se passou e do aperto que se sentiu no coração, esses serão para sempre.

O DJ set de Justice foi um exercício interessante de electrónica, onde o duo francês acabou por reconstituir a sua essência através de canções meticulosamente escolhidas. A ofuscante luz vinha do palco misturava-se com violentos beats e riffs da sua electrónica, e irradiavam a plateia que se mexia de maneira furiosa. Houve espaço para remisturas de originais de Justice por outras bandas, como é o caso da versão de Phanton Pt. II de Soulwax. Foram também escolhidos alguns clássicos das pistas de dança como foi o caso da animada Move Your Feet de Junior Senior, o eurodance de 2 Unlimited,  I Love Rock’n’Roll de Joan Jett e até canções de David Bowie ou Queen. Tudo era pretexto para a festa que servia de despedida do palco principal do recinto  e com explosões de ritmo todos gastavam a energia concentrada nos corpos e a efervescência de entusiasmo se ia agitando sem parar. O DJ set tentou reunir até ao final um variado número de influências e estilos musicais. Ouviu-se desde house até funk e todos os ingredientes serviram um cocktail avassalador, cheio de crowsurf, mosh e muita dança.

Para o final de uma noite de emoções fortes ficou a actuação estonteante dos And So I Watch You From Afar. Na descrição colocada na página oficial do festival pode ler-se que este quarteto de Belfast é uma banda de “post-rock” mas, depois de assistirmos ao enérgico concerto da banda, parece-nos algo redutor esse rótulo. O turbilhão musical desta banda tem efectivamente a sua génese no post-rock, mas as suas imprevisíveis acelerações e abrandamentos há muito de math-rock e muito espírito hard-core com apontamentos electrónicos e, ritmos que por vezes soam quase, pasme-se, tropicais.

Frenético,  contagiou toda a gente num concerto bem suado que fechou em grande esta edição do festival. É assim mesmo que um festival deve terminar, com a intensidade de momentos inesquecíveis que nos fazem contar os dias até à próxima edição que foi, entretanto, confirmada pela organização.

Até para o ano Paredes de Coura, que comece a contagem decrescente!