Coube aos Widowspeak a honra de abrirem o segundo dia do festival. Os mais sonolentos espíritos que assistiam ao concerto tinham os seus sonhos almofadados pela lânguida voz de Molly Hamilton. Os riffs articulados das suas guitarras filtravam a luminosidade da sua música algures entre espaços de luz e sombra no seu rock romântico e franco. Embalados pelo seu carácter mais “dreamy”, arranjadinho e bonitinho e com laivos traços de melancolia pop, abriram o apetite para uma longa noite de concertos.

A estreia do palco Vodafone Paredes de Coura fez-se com os britânicos Everything Everything que regressam a Portugal após a actuação no Warm-Up deste mesmo festival. Sem nada mais a acrescentar em relação ao que apresentaram em Abril deste ano, apenas podemos voltar a frisar que os synths continuam contagiantes e bem-dispostos e que, apesar de algo insípidos e sem causar grande entusiasmo, não caem nada mal como primeira banda do dia – ainda com o recinto a meio gás. Se, nas linhas anteriores, substituíssemos synths por guitarras e mudássemos o cenário do palco principal para o secundário, tudo o resto seria verdade para os Veronica Falls.

A segunda actuação no palco principal também não se viria a revelar particularmente entusiasmante. Embora sejam oriundos dos antípodas de Manchester, a principal curiosidade para ver a actuação dos Jagwar Ma residia na ponte que eles estabelecem com o movimento musical encabeçado pelos Happy Mondays. Apesar de pequenos apontamentos de modernidade aqui e ali, é fácil encontrar ecos dessas sonoridades simultaneamente festivas e soturnas em temas como The Throw ou Man I Need (os singles do álbum de estreia). A intenção está lá, mas no palco as coisas não soam tão bem como em estúdio e não foi de todo possível transformar o anfiteatro de Coura numa Haçienda improvisada.

Diz quem lá esteve que, no Super Bock Super Rock, as coisas não correram bem aos TOY. Dizem as mesmas vozes que, com este concerto, o quinteto londrino se redimiu. As poderosas guitarras e os imponentes cabelos dos membros da banda – o mínimo que se pode pedir a uma banda com tantas influências de shoegaze – encheram o palco e a sua música psicadélica levou a que a tenda enchesse também e que, desta vez, permanecesse cheia até ao fim.

Ainda que algumas canções soem bastante umas às outras, os riffs cíclicos acabam por penetrar a nossa mente e as batidas furiosas não nos deixam indiferentes. A sensação de movimento é aliás uma das características que mais ressalta da sua música e que nos levam a balançar numa hipnose que só é quebrada no final de cada canção com os sonoros aplausos do público.

Sobre o concerto de The Vaccines, necessitamos de utilizar o nome do seu primeiro disco em tom de pergunta retórica para descrever o que se passou. What Did You Expect From The Vaccines? é o mote ideal para explicar a imensa quantidade de pessoas que, enchendo a plateia do palco principal, aguardavam pelo show da banda. Expectativas exageradas para ver mais um produto do hype musical britânico que fez nascer alguns dos projetos mais desinteressantes da cena musical, bajulados por publicações menos criteriosas que só convencem os menos críticos. Não há nada para esperar desta banda. As músicas são redutoras e simplistas, baseadas nos modelos do “indie” rock juvenil inglês, onde o pré-formatado é destaque. Tudo se funde numa mistura monótona de reverb, arpejos e progressões de guitarra mínimas que poderiam fazer parte de uma qualquer canção aprendida nos escuteiros. A juntar a isto, e como se não fosse suficientemente mau, as fórmulas acabam por ser repetidas até à exaustão, com melodias que se dissolvem no feedback, silêncios prolongados, letras sem o mínimo encanto, totalmente insípidas.

Apesar de algum entusiasmo na plateia, o quarteto inglês representa em palco pouco mais do que um bocejo. Um conjunto de clichés decalcados à abordagem de “jovens e entediados com o mundo”, que num tremendo exercício de marketing, constrói uma espécie de cópia infiel de outras fórmulas já utilizadas. E referimos infiel, porque apesar dos esforços para o decalque, a cópia é perfeitamente desprezável e não permanecerá na memória da maioria.

Com o início da actuação em sobreposição com The Vaccines, a tenda do palco Vodafone FM demonstrava grandes clareiras quando Victoria Christina Hesketh subiu a palco. Nada que impedisse que a festa iniciasse a todo gás. As canções pop de Little Boots são descomplicadas e perfeitamente acessíveis logo à primeira abordagem. Plenas de sintetizadores e batidas baseadas no disco-sound de outrora, é essa facilidade instintiva de entrar no seu mundo que faz com que fiquemos todos Stuck on Repeat na vontade de abanar o corpo em movimentos de dança contagiantes. A festa dos Hot Chip tinha começado mais cedo.

Os Hot Chip guardam a sensibilidade estética para a sua música. A incrível capacidade de construir tremendas malhas pop não combina com o aspecto de bibliotecários, alguns com bigodes farfalhudos, camisas vintage e óculos geek. Na verdade isso torna tudo ainda mais engraçado até porque os néons espelhados nas envidraçadas caras dos músicos criam o ambiente certo. Improváveis heróis do electro-pop – uma espécie de Clark Kents sem capa – fazem uma fusão fácil e eficaz entre música pop açucarada e uma electrónica absoluta. O resultado é o esperado: um público deliciado do início ao fim, rendidos ao instinto musical perfeito desta numerosa banda.

Como se de uma pequena orquestra se tratasse, os Hot Chip têm como maestro Alexis Taylor que, com suavidade e classe, capta a essência sedutora e expressiva na sua aveludada voz catalisando a alma brilhante da banda sem truques de produção. O espectáculo é uma mostra de divertimento, sinceridade e bom gosto na produção das melodias. Entre luzes intensas, que provocam danças de estilo quase epiléticas surgiram alguns dos maiores hits da banda. Houve espaço para a suave Boy From School, a vertiginosa One Life Stand e o chão chegou mesmo a tremer em Ready For The Floor e Over and Over. A banda inglesa traz tudo o que um festival como Paredes de Coura necessita e é por bandas que criam tamanha festa que o bilhete para o certame vale cada cêntimo.

Logo que, num estranho momento, um homem barbudo com calções de licra sobe a palco para nos iniciar numa espécie de sessão de aeróbica percebíamos que estávamos perante algo bastante estranho. Endereçava mensagens sobre a importância de destruir convenções, de “abanar o habituar”, numa clara referência ao álbum de The Knife. Os alongamentos poderiam servir de metáfora para a necessidade de nos prepararmos para um exercício intenso de adaptação. Tanto a aula de aeróbica como o posterior espetáculo serviriam para nos indicar os tormentos da fúria e desorientação que tentam fazer despertar no público.

O espetáculo começa com 10 elementos escondidos (Karin Dreijer, Olof Dreijer e o resto da equipa) em roupas, que fazem lembrar a indumentária dos Sunn O))), num misterioso conclave. A percussão furiosa surgia algures em palco e os seus elementos tocavam/simulavam tocar uma harpa colorida, tambores e maracas futuristas. Num tremendo exercício de ilusão, era difícil perceber se algum instrumento estava realmente a ser tocado naquele momento ou se era tudo fruto da nossa imaginação. Depois das constantes provocações, já algum do público ia abandonando a colina, colapsado pela experiência, quando o show se tornou exclusivamente um exercício de dança interpretativa. Havia paredes de laser, risos provocatórios e uma tremenda capacidade de chocar. A ideia seria desconstruir os nossos conceitos de concerto (como ele é e como deve ser), de onde deve vir a música (olá, playback), etc.

Durante o longo espetáculo tivemos uma espécie de recriação de qualquer coisa que imaginarmos – uma tragédia grega, um delírio pós-moderno, uma falsa recriação de Broadway num cansativo momento de imaginação. Somos levados a questionar a autenticidade da música gravada, de uma “banda” alheia ao público enquanto se debitava o feedback gravado. Foram heroicos transgressores de expectativas, numa violação constante dos princípios habituais. O ambiente de jungle electro-techno-pop floresceu a partir de Full of Fire que iludiu as pernas mas não a mente, demasiado afectada pela capacidade infinita para colidir com o arranjadinho mundo que estava construído à partida, na cabeça de cada um, virando tudo do avesso.

Começou o after-hours. John Talabot, acompanhado por Pional, subiu a palco para nos voltar a apresentar o seu techno dançável de cariz eminentemente melódico, em andamentos lentos, saturados de toques tropicais. O concerto baseado em percussão tribal e sintetizadores glam, que recriam grande parte das músicas de ƒIN. A música é apelativa e nostálgica acompanhada de samples vocais elegantes, embriagando o público em canções que são umas espécie de caramelo pop. Houve tecelagem de breakbeats artesanais que exalam entre suaves melodias, e que nos fez oscilar entre momentos de euforia e outros tantos momentos de melancolia, numa sensual experiência cheia de vitalidade.

Para quem ainda tinha pernas e vontade de fazer a festa, os resistentes The 2 Bears (contam com Joe Goddard dos Hot Chip) terminaram com um longo concerto de duas horas, onde buscam como destino electrónica glitchy com propensão para um temporal de beats que torna a pista de dança mais cheia, com teclados cintilantes e tambores em cascata a emanarem das colunas por essa noite fora.