No papel, colocar uma banda psicadélica e pulsante como os Gang Gang Dance a tocar às 18:30h, a abrir o palco principal para meras dezenas de pessoas, só poderia ser má ideia. Na prática, confirmou-se o pior prenúncio. Significa que foi um mau concerto? Longe disso. A questão é que o som esotérico dos nova-iorquinos, dominado pela percussão reforçada por tambores tribais, sintetizadores transcendentais e a voz mestiça, quase hindu, de Lizzi Bogatsous, merece um outro ambiente. É música noctívaga, que impõe um reforço visual à postura quase caótica da banda ao vivo (elogio), com destaque para um místico índio que, sem grandes funções musicais, foi passeando pelo palco com um objecto de percussão, umas flores ou uma bandeira da Jamaica. Assim, foi apenas o desperdício do que poderia ter sido uma performance memorável. E, atente-se, quem escreve estas palavras está longe, bem longe, de ser um admirador dos Gang Gang Dance em estúdio (excepção feita a “Glass Jar”, fabulosa viagem cósmica de quase 15 minutos, que teve direito a uma versão à altura em Paredes de Coura).
Depois dos Gang Gang Dance, a extravagância prosseguiu no palco principal em moldes bem diferentes. Vestidos de forma espampanante, os Of Montreal trouxeram a Paredes a sua música barroca, marcada pelas exuberâncias vocais (e não só) de Kevin Barnes e por uma grandiloquência que, nos piores momentos, se aproxima de uns, argh, Scissor Sisters. Os melhores decorrem principalmente nas saborosas incursões pelo mais equilibradoHissing Fauna, Are You The Destroyer, como na fase final, com o frentético Heimdalsgate Like a Promethean Curse ou o nervo e a aceleração quase infinita de The Past is a Grotesque Animal. É aí que o carácter festivo da banda americana se torna mais eficaz e intenso.
A sobreposição dos concertos de Of Montreal e Deer Tick foi uma das situações mais angustiantes do festival. Ainda os primeiros actuavam no palco principal quando a banda de John McCauley entrou em acção perante uma plateia bem mais reduzida do que a que merecia. Estes norte-americanos oriundos de Providence, já trazem na bagagem quatro álbuns carregados de malhões com cheirinho a country e ao vivo foi a festa que se esperava. Da quase javardice de The Bump (single do seu mais recente álbum) até baladas emocionantes como Ashamed (do primeiro trabalho da banda) o concerto passou um pouco por toda a parte para delícia de um grupo de fãs acérrimos da banda que se concentrou em frente ao palco.
Se referimos que Tom Barman (dEUS) é um óptimo performer, então que dizer de Erlend Oye? Um ano depois de ter rendido Paredes de Coura com os Kings of Convenience (um clássico no nosso país), regressou este ano para estrear em Portugal, da melhor maneira, o seu projecto paralelo: The Whitest Boy Alive. Se era evidente que temas como Burning ou Courage, em que a boa onda dos Kings of Convenience ganha uma cadência de percussão, um baixo e/ou uma linha de sintetizador viciantes, iriam resultar em pleno, as maiores dúvidas centravam-se nas faixas deRules onde têm excessiva importância teclados ambientalistas bem duvidosos. Contudo, tudo é compensado ao vivo. Não só porque há o arrojo de efectuar uma recriação estimulante das canções, mas também porque o poder de comunicação do norueguês é nato: apela ao público para trautear partes de músicas, revela os habituais dotes gingões de boa disposição e dança nerd ou constrói uma ode à palavra portuguesa saudade. Pelo meio, ainda há tempo para uma inclassificável versão (em bom, claro) do pirosíssimo êxito das pistas de dança dos anos 90, Show Me Love. Um grande concerto, talvez o melhor de Paredes de Coura até ao momento. De tal modo que somos capazes de perdoar o facto de, por contingências de agenda que obrigaram a apressar o fim do espectáculo, não terem tocado aquele que é talvez o tema perfeito dos The Whitest Boy Alive: Islands.
Aquando do lançamento do seu disco de estreia, Anna Calvi foi muito aclamada e desde logo comparada a PJ Harvey. A sua actuação no palco principal de Paredes de Coura foi um desconsolo para quem confiou nessas comparações pois apenas provou que, embora musicalmente não sejam totalmente descabidas, são bastante exageradas. Vestida de escuro, com cabelo preso e uma expressão séria de quem não brinca em serviço, Calvi é a imagem da sobriedade. Quase estática por trás da sua guitarra, passa a mensagem de que a música que sai das colunas do palco é para ouvir e não para ‘ver’. Infelizmente, num espaço tão aberto como o vasto auditório natural de Coura, a voz da britânica não consegue soar tão poderosa como em disco pelo que também parte da emoção da sua música não passa com a mesma intensidade. Consequência disso, o palco principal foi demasiado grande para Anna Calvi e, sem qualquer complemento visual para além da sua beleza discreta, o espectáculo foi morno, para não dizer mesmo aborrecido.
Se não há dúvida que, por alturas de 2005, a vinda dos Kasabian seria um motivo de destaque, será que o mesmo ainda faz sentido sete anos depois, nomeadamente enquanto cabeças de cartaz? Em palco, são tipicamente o exemplo de banda britânica com muito estilo e um valente ego, a que depois acrescentam uma sonoridade forte, própria de uma rave com contornos rock e virada de forma fácil para adolescentes (é o que não falta na edição deste ano de Paredes, a que não é alheio o hype Ornatos Violeta / Ídolos). Percorreram de forma competente os quatro discos, com incidência nos dois últimos, mas com passagens naturais por êxitos dos primórdios, como LSF, Club Foot ou Shoot the Runner. Realizaram versões banais de Everybody’s Got to Learn Sometime, dos The Korgis (a léguas da recriação pessoal que Beck fez há uns anos atrás para o filme O Despertar da Mente) ou Praise You, de Fatboy Slim, o vocalista Tom Maighan recriou, a capella, um excerto deShe Loves You, dos Beatles, e incluíram um pequeno trecho a trompete (fora isto, pouco mais foi audível deste instrumento no concerto, embora tenha estado bastante tempo em palco) de John Williams. Relativamente à pergunta inicial, a reacção entusiasta do público seria um indício de resposta afirmativa. Mas, sabendo-se que a banda não foi cabeça de cartaz no Alive há dois anos, quando a memória dos seus tempos mediáticos era maior, e atendendo ao simbolismo de Paredes de Coura na actualidade ou na premência das propostas, será mesmo que sim?
O after-hours do segundo dia ficou a cargo dos Crystal Fighters, uma banda que ultrapassa todos rótulos que lhes queiram atribuir. Coube de tudo naquele palco: da folk à electrónica, de ritmos tribais e batidas dançáveis a refrões redondinhos como mandam as regras de uma boa canção pop. A noite já ia avançada, mas com este espectáculo eclético e extremamente orgânico, a festa decorreu como se as baterias estivessem todas ao máximo. Naquela noite – a primeira estrelada – pareceu que todos os astros se alinharam para os Crystal Figthers e estes foram realmente a banda certa para o palco ideal na hora mais oportuna – uma combinação de factores que nem sempre se verificou ao longo do festival.