Ao contrário do que aconteceu na recepção ao campista, o primeiro dia ‘a sério’ de festival (ainda no palco secundário) já teve bem mais pontos de interesse. A iniciar a primeira série de bons concertos deste festival estiveram os Sun Araw. A música psicologicamente densa da dupla encabeçada por Cameron Stallones foi o veículo que transformou a tenda que cobre o palco Vodafone FM numa autêntica nave espacial e levou todos os que nela cabiam numa viagem cósmica que, infelizmente, terminou demasiado rápido. Auxiliados por efeitos, ecos, batidas tribais e repetitivas e ainda projecções de imagens de desertos e cactos, os Sun Araw foram como que uns xamãs do psicadelismo e invocaram paisagens fluídas que seguramente ficarão gravadas na mente de quem lá esteve.

O concerto que se seguiu pode resumir-se em três palavras: lágrimas, sangue e suor. Bem, pelo menos suor é certo mas não será surpresa que se tenha derramado também um pouco dos outros dois fluídos corporais. Atitude é coisa que não falta aos Japandroids e a Celebration Rock (o último disco da banda). Essa atitude e energia que os caracteriza foi muito bem transposta para o palco e, sem cair em exageros teatrais, os Japandroids puseram todos aos saltos com o seu garage/noise/punk/whatever/rock.

Ao entrar em palco, a dupla canadense prometeu não perder tempo e aproveitar ao máximo o espaço que lhes deram para debitar o maior número possível de malhas bem raçudas. Estes concertos querem-se assim, rápidos e implacáveis. Os corpos suados do público não enganavam ninguém, ficou a vontade de os rever em breve.

Em disco, a fusão entre exploração de ruído, uns toques de free-jazz e o timbre peculiar de Merrill Garbus, numa espécie de eterno falsete, levanta algumas dúvidas sobre uma certa inconsequência dos Tune-Yards. Ao vivo, tudo faz sentido. O som tem um groove de funk esquizóide delicioso, os saxofones têm algo de afrobeat e há uma química e uma vibração claras entre a banda e o público. Aconteça o que acontecer, uma das boas surpresas do festival.o

A vinda de Stephen Malkmus & The Jicks a Paredes de Coura foi morninha. A razão principal é que Mirror Traffic, o seu último disco, é um trabalho mais mansinho, a espaços quase easy-listening (com o devido enquadramento), e o músico não tocou nada do magnífico Real Emotional Trash. Ainda assim, foi um espectáculo em crescendo, com uma bateria pulsante e alguns momentos altos, como o mais gingão Stick Figures in Love, com uma linha de guitarra bem eficaz. Para além do mais, é difícil ter uma percepção exacta de um concerto em que, sensivelmente a meio, se abateu um verdadeiro dilúvio sobre Paredes de Coura (tanta chuva houve nesta noite…) e a tenda do palco Vodafone FM foi naturalmente curta para receber tanta gente. Fica um dado inequívoco: um grande músico como Malkmus, líder dos Pavement e com um percurso a solo bem respeitável, merecia um outro espaço e outras condições.

A entrada em palco dos nova-iorquinos Friends dá-se com o arrojo sensual da vocalista Samantha Urbani, vestida de polícia. Pena é que o aparato visual, que incluiu ainda uma salutar homenagem às russas Pussy Riot (o nome da banda apareceu inscrito no top de Urbani) e, consequentemente, à liberdade artística, não seja acompanhado de uma consistência musical à altura. Há um ou outro momento mais feliz, como a sensibilidade pop de Friend Crush, dominado pela percussão mais viciante, mas o global não deixa marca, com uns sintetizadores bem duvidosos e uma voz sem grande presença, com particular destaque para A Thing Like This, canção pop comercialona de terceira categoria. Enfim, nem toda a gente consegue aliar uma certa extravagância sexual com talento vocal e musical considerável. É o que sucede, por exemplo, com Lykke Li e não parece acontecer com os Friends.

Apesar de alguns problemas técnicos, de uma estranha semi-balada cantada por Albergaria e por um apelo questionável a que o público entoasse o refrão de Umbrella (nem mais, de Rihanna?!), os Paus são e serão sempre uma extraordinária banda ao vivo. A conjugação entre os teclados frenéticos, o baixo poderoso e a bateria siamesa apoteótica é brutal e a simpatia e intensidade da banda em palco são impressionantes (destaque para a “invasão” da plateia pelo baixista Makoto ou para um Albergaria particularmente comunicativo). Citando Hélio Morais, “Paredes é amor” e, pese embora a noção clara de que os Paus mereceriam o palco principal (já agora, e descontando a imponderável chuva que se abateu, não faria mais sentido transferir todo este dia para lá?), esta foi uma bela forma de (quase) terminar o dia 1 do festival.

Outra pergunta que se coloca, também reincidente, é a seguinte: como é que um extraordinário actor e uma pessoa aparentemente tão inteligente, como é o caso de Nuno Lopes, pode ter tão mau gosto a passar música? O DJ set é constituído por música maximal, virada para pessoas meio fritas e/ou sem grande critério e, como exemplo, bastaria a remistura absolutamente medonha de How Deep Is Your Love, o singlezaço dos Rapture. Numa lógica de divertimento, é tão mau, tão mau que poderia dar a volta… mas não dá.