Quem gostou do concerto de Causa Sui no Milhões de Festa em 2011 não sairá desapontado da estreia em território nacional dos seus conterrâneos Papir. Jams intermináveis que nos fazem perder a noção do tempo são a essência deste trio instrumental que conta já com três álbuns e que estará em Barcelos a apresentar o lançamento mais recente, III, no dia 26 de Julho.

Já tocavam juntos há uns anos antes de criarem os Papir. Como surgiu a banda?

Sob constelações diferentes, nós os três já tocávamos juntos há mais de dez anos. Crescemos nos subúrbios de Copenhaga e conhecemo-nos durante a nossa adolescência, através de uma escola de música. Desde que começámos a tocar juntos até 2008 tocámos em várias formações, com vocalistas diferentes, e a partir daí começámos a tocar como um trio instrumental. Agora vivemos todos em Copenhaga e matamos o vício da música tocando juntos pelo menos uma vez por semana.

Que tipo de música ouviam antes de começarem a tocar juntos?

Grandes doses de rock/pop clássico, funk, blues, hard rock e grunge. Talvez algum hip hop, também.

Porquê “Papir”?

Estávamos com bastantes dificuldades em encontrar um nome, por acaso, e quando após o nosso primeiro concerto um amigo já bêbedo sugeriu Papir, pensámos… porque não? E agora achamos que é um nome bem porreiro. Algo com que todos nos podemos relacionar. Ou não.

Citam Miles Davis e Can como influências musicais. Também procuram inspiração em bandas actuais?

Não estamos muito a par da actividade dentro daquilo que se pode considerar a nossa cena musical, mas estamos sempre abertos a recomendações! Para sermos honestos, preferimos bandas mais antigas, clássicos de krautrock como Neu!, Ash Ra Tempel, Guru Guru, Agitation Free, Can, etc; gigantes do post-rock como Tortoise, Talk Talk, Dif Juz e Do Make Say Think; ou até mesmo bandas influenciadas pelo psych como Love, Doors, Led Zeppelin, Santana, Jimi Hendrix (ao vivo!), Ten Years After, ou o prog dos Jan Dukes De Grey, Camel, Genesis (na fase inicial) ou a música daqueles artistas intemporais: Linda Perhacs, Brian Eno, Robert Fripp, Bob Dylan, Miles Davis, John Coltrane, Ornette Coleman, Cocteau Twins.

Têm os três o mesmo gosto musical?

Temos realmente algumas preferências em comum (as que citámos), mas no geral não falamos muito acerca de outras bandas. Quando tocamos juntos preferimos jams onde a nossa música fala por nós. Os compromissos e concessões que fazemos durante esse processo podem ser vistos como uma soma tanto dos nossos gostos partilhados como também das nossas divergências.

O vosso primeiro álbum parecia mais obscuro do que os outros dois. A guitarra desempenhava também um papel diferente: antes parecia complementar a atmosfera, e agora tem mais destaque. Fizeram uma mudança intencional ou foi uma evolução natural?

Tentamos que a nossa música e os nossos processos não estejam sujeitos a impedimentos, que tenham a maior liberdade possível, e por isso é bastante difícil falar de intenções na música dos Papir. As partes da guitarra evoluem num processo de criação de novas peças: resumidamente, gravamos jams completamente livres, ouvimo-las, tocamos novamente as partes de que mais gostamos, ouvimos as novas gravações, e por aí fora. Por isso sim, podemos dizer que foi uma evolução natural, um processo de selecção natural guiado pela mutação e adaptação.

Os Causa Sui, vossos companheiros na El Paraiso Records, parecem ter uma abordagem semelhante à vossa. Que acham da cena musical dinamarquesa?

Não achamos grande coisa, na verdade. Os membros dos Papir tocaram com os Øresund Space Collective em diversas ocasiões, e temos pontos em comum com os Causa Sui, como dizes, mas de resto não ligamos muito à música feita na Dinamarca.

Um dos traços que partilham com os Causa Sui é o espírito das jams. Diriam que os Papir são mais uma banda de concertos do que de estúdio?

Adoramos tocar ao vivo! Muito desse espírito vem da energia na improvisação ao vivo – abstrairmo-nos de nós mesmos, deixar que os nossos pensamentos se fundam numa espécie de energia musical pura. É uma questão de sentimento, de feeling, de sermos a energia. É uma questão de nos perdermos na música e de tocar recheados de pura alegria. Quando vamos para o estúdio tentamos transportar essa energia para as sessões. Visto por esse prisma, os Papir são sempre uma banda de concertos.

Lançaram três álbuns desde 2010. Quando é que se sentem prontos para entrar no estúdio e gravar?

Tentamos ir para o estúdio pelo menos uma vez por ano. Temos sempre esboços e ideias a pairar nas nossas cabeças mas as músicas raramente estão acabadas antes de as gravarmos. Tentamos manter a liberdade até ao fim do processo de composição e isso reflecte-se na improvisação durante as sessões de gravação.

O Jonas Munk dos Causa Sui produziu o vosso último álbum. Como correu a gravação de III?

O Jonas chegou a estar envolvido na produção do Stundum, o álbum anterior, e voltou a desempenhar um importante papel no III. Alugámos uma casa no norte da Dinamarca e ficámos lá durante cerca de uma semana, a comer, beber e tocar – isolados de tudo e todos, rodeados de neve, árvores e boas vibrações. O Jonas foi um produtor no sentido tradicional do termo, gravando tudo e oferecendo excelentes comentários e ideias novas. Foram sessões extremamente inspiradoras e férteis!

O que podemos esperar da vossa estreia em Portugal?

Queremos tocar até cair! Ah, e somos capazes de tocar algum material novo… vamos ver como corre. Estamos ansiosos pelo nosso primeiro concerto aí!

O cartaz do Milhões de Festa está longe de estar fechado, mas há alguma banda que esperam conseguir ver quando cá estiverem?

Reparámos que os Camera, da Alemanha, também vão tocar aí. Vieram à Dinamarca há algumas semanas e deram sem dúvida um grande concerto! Não conhecemos bem nenhuma das outras bandas, mas vemos que há muito para explorar.