Helena Espvall

À entrada para o Teatro, que se encontrava praticamente esgotado, o público deparava-se com dois postos diferentes e prontos a receber duas formas distintas de encarar o formato das cordas.

A primeira a entrar em palco foi Helena Espvall, surgindo descalça e com um largo vestido de cores vivas e quentes, que contrastavam com os ritmos musicais que retirava do violoncelo. Pouco exuberante na forma de tocar, não se encontrando um constante movimento do corpo, como é tão habitual ver-se neste tipo de actuação, Helena adoptou uma postura que unia o som e o seu corpo estático, através de um corrupio delicado entre o arco e o instrumento, a par de uma subida e descida contínua dos seus dedos pelas cordas.

De olhos sempre fechados durante a interpretação das suas composições, a articulação de várias camadas, que se iam sucedendo, transmitiam a transposição para diferentes espaços em que as melodias se centravam em vários contextos sonoros mais ou menos graves, mais ou menos suaves.

De facto, Helena Espvall apresentou uma nova e diferente dimensão no tratamento do som do violoncelo, indo ao encontro total daquilo que significa o OUT.FEST, ou seja, a incorporação do conceito de música exploratória.

Através da sobreposição constante de novas melodias, daquele instrumento saíam recorrentemente novos caminhos e sonoridades que se assemelhavam, em muitos momentos, a contextos trágicos e tenebrosos. A associação a paisagens gélidas, cinzentas e nebulosas foi frequente, porventura transmitindo as suas origens suecas. No entanto, estas paisagens sinistras tornavam-se cativantes e os caminhos sinuosos, por onde percorreriam os seus dedos, constituíam uma frequente atracção.

Ao longo de praticamente 40 minutos, testemunhou-se uma sonoridade quase bipolar, demente e distorcida em algumas sequências, contrastando com outras maioritariamente leves e de consistência mais suave.

Steve Gunn

Depois de no ano passado nos ter brindado com um belo concerto no sótão do Kolovrat 79, o regresso de Steve Gunn a um espaço menos acolhedor e mais distante poderia ter influenciado o seu dedilhar nas seis cordas. Verdade seja dita, em muitas alturasSteve parecia até apreensivo e nervoso, contudo, soube novamente como conquistar o seu público.

Fosse feita a pergunta a qualquer um dos presentes que pudesse não saber a proveniência do músico, não seria expectável receber outra resposta que não a americana. Assim, o conjunto de espirituosos cenários que incorporava e direccionava eram imensas, desde o mais inóspito deserto, rude em formas de vida, mas também para as mais modernas cidades, conseguindo atingir vários imaginários mais ou menos localizados no tempo e no espaço.

Steve Gunn desenvolveu no Teatro um percurso pela história musical americana, desde os primórdios até à contemporaneidade, percorrendo um conjunto diverso de caminhos estilísticos por onde ia passando. Blues, country, ou tantos outros estilos, o americano pegou em todos eles e com a sua guitarra acústica electrizante, e com a sua voz, deu-lhes uma nova visão e exponencialidade.

Com a estreia de um novo tema, mas também encarnando outros mais longínquos como The Lurker Extended, as suas músicas sobre indivíduos da rua fizeram a plateia redireccionar-se para qualquer um daqueles tipos nos quais facilmente se poderia tropeçar numa qualquer cidade americana. Na esquina com a guitarra, a voz e o seu amplificador, agregaria à sua volta um conjunto crescente de pessoas. Steve Gunn foi isto. Um timoneiro e explorador principal que lidera quem o ouve com o som que lhes fornece. Uma viagem composta por um dedilhar constante por territórios selvagens.

Para os dois temas finais Steve e Helena surgiam juntos, perdendo a violoncelista alguma da graciosidade dramática que caracterizou a sua interpretação a solo.

A cada gesto dos dedos de Gunn na corda era perceptível o acorde que procurava, sendo acompanhado por Helena ora nos momentos mais calmos, mas também naqueles em que se urgia violentamente perante as sequelas mais vorazes e caóticas.

A verdade é que, muito provavelmente, nunca vai tocar para grandes multidões e, certamente, esse não será o seu objectivo e ainda bem que assim é. A testemunhar por aquilo que proporcionou é de salutar que, já sendo um dos grandes, ainda toca para apenas alguns.