São tempos de mudança. Duas reuniões importantíssimas foram anunciadas no decorrer desta semana: falamos, obviamente, dosAt The Drive-In e dos Refused. O seu impacto na música moderna é atroz, mas, como nos diz Hélio Morais, baterista e vocalista de Linda Martini, será que há “um tempo certo para determinadas coisas”?

Neste artigo especial, decidimos perceber o que se pode esperar sobre o futuro do punk e destas reuniões. Abordámos vários nomes conhecidos da nossa música, com qualificações para dar e vender sobre a temática: Ricardo Martins (Adorno, Cangarra, Lobster, I Had Plans), Makoto Yagyu (Riding Pânico, If Lucy Fell, PAUS), Hélio Morais (Linda Martini, If Lucy Fell, PAUS), Hugo Martins (Larkin), João Sancho, Frederico Severo, Ricardo Salvador, Sebastião Santos, João Camejo (Moe’s Implosion), José Silva e Afonso Lima (ManInFeast) responderam a algumas perguntas que o Ponto Alternativo lhes colocou. Eis as respostas:

Ricardo Martins

“Espero que seja só a parte 2 do ‘novo fôlego’ que [as bandas] têm para nós”

Achas que o legado dos At The Drive-In e dos Refused vai ficar intacto, após estas reuniões? Acho que não nos cabe a nós pensar nisso. Seria tremendamente injusto. As razões vão de certeza muito para além daquilo que nós, ouvintes, possamos achar. Não sei se o legado deles interessa mais do que as suas próprias motivações/felicidades.

Quais são as tuas expectativas para este regresso, tendo em conta o impacto que ambas as bandas tiveram em Cangarra/ Lobster/ Adorno/ I Had Plans? São bandas das quais gostei/gosto de ouvir (e ouvi muito), terão talvez influenciado até aqui e ali. Saber que podem andar por aí, a passar um bom bocado e a fazer mais música é óptimo. Venham novas edições! Se o fizeram por saudades – ou por outra coisa qualquer pouco me interessa -, não posso fazer nada a não ser especular em relação a isso e tenho coisas mais fixes para fazer [risos].

Alguma vez conseguiste ver ATDI ou Refused ao vivo? Tencionas tentar vê-los agora (pelo menos, Refused, que já se sabe que vão tocar na Europa)? Não, infelizmente nunca vi nenhuma das duas, coisa que tenciono mudar agora se puder.

O punk morreu? Se sim, achas que isto vem dar-lhe um novo fôlego? Já morreu e ressuscitou milhares de vezes. Para fazer uns títulos catitas aqui e ali, vender umas t-shirts fixes, etc. Isto é uma óptima noticia, porque são bandas boas, que tiveram importância, que deram origem a outras bandas igualmente importantes. Espero que seja só a parte 2 do “novo fôlego” que têm para nós.

Makoto Yagyu

“O Shape Of Punk To Come é excelente e eu espero que [este regresso] faça jus a isso”

Achas que o legado dos At The Drive-In e dos Refused vai ficar intacto, após estas reuniões? Eu acho que sim. Eles influenciaram muitas bandas – portuguesas, também – e ainda bem que eles voltaram, para nós termos a oportunidade de conseguir vê-los.

Quais são as tuas expectativas para este regresso, tendo em conta o impacto que ambas as bandas tiveram em If Lucy Fell/ PAUS? Não sei. [Quanto aos] ATDI, eu sei que eles [Cedric Bixler-Zavala e Omar Rodriguez-Lopez] continuaram a tocar em The Mars Volta, portanto devem estar em forma e devem conseguir fazê-lo bem. Refused, eu não tenho a certeza sobre o que é que eles têm andado a fazer, sei que há The International Noise Conspiracy… Mas, acho que deve ser boas [expectativas], porque são duas bandas excelentes.

Alguma vez conseguiste ver ATDI ou Refused ao vivo? Não.

E tencionas tentar vê-los agora (pelo menos, Refused, que já se sabe que vão tocar na Europa)? Claro, vou tentar mesmo, porque são uma das minhas bandas… [hesita] Não vou dizer das minhas bandas preferidas, mas é uma que me marcou bastante.

Alguma vez o punk morreu? Epah, isso… Que pergunta! [Acho que] não, há muitas bandas punk que continuam a tocar e há muita cena punk, que deixou marca e influenciou o rock que é feito hoje em dia. Mas, se morreu mesmo, não te sei responder a isso.

Achas que a reunião de Refused vai, finalmente, definir o punk dos próximos tempos? Ou se, pelo menos, vai fazer jus ao grande The Shape of Punk To Come (SOPTC)? Não sei bem se o SOPTC é um disco punk, acho que é mais um disco rockeiro – que tem punk à mistura, óbvio. O SOPTC é excelente, eles estavam numa forma perfeita e eu espero que sim, que [este regresso] faça jus a isso.

Hélio Morais

“[O] legado ficará sempre”

(Decidi pegar nas perguntas e escrever texto corrido).

Tenho sempre receio de reuniões. Talvez haja um tempo certo para determinadas coisas. Tenho muita pena de não ter visto Refused e At The Drive-In ao vivo, pois foram das bandas que mais me influenciaram na música, bem como a boa parte dos membros de Linda Martini, If Lucy Fell e PAUS. Ainda hoje ouço os discos deles com assiduidade. Mas tenho também receio que um mau regresso possa de alguma forma deturpar tudo aquilo que de bom me suscitam nos dias de hoje. Claro que tendo a oportunidade de os ver, o mais provável será fazê-lo. No entanto, esse risco é real. E da mesma forma que eu penso isto, certamente muitas outras pessoas pensarão.

Quanto ao legado, ficará sempre, pois o número de pessoas que os poderá ver ao vivo nestas reuniões, será sempre muito inferior ao que os guarda na memória.

Por isso, mesmo que de alguma forma possa ser um tiro no pé, nunca será suficiente para mexer com o que deles ficará para a história. E por outro lado, é quase como se aquelas músicas já não lhes pertencessem, mas sim às pessoas. Portanto, mau nunca será. Simplesmente, do meu lado, tenho receio que possa quebrar o mito que criei em relação a eles. Gosto deles como os tenho na memória.

Hugo Martins

“Porreiro seria virem ao Milhões de Festa”

Achas que o legado dos At The Drive-In e dos Refused vai ficar intacto, após estas reuniões? Acho que sim, a não ser que venham muito mal ensaiados e sem ritmo, o que seria decepcionante, mas duvido. Após findarem actividade, o legado que deixaram a milhares de bandas novas é incontestável, abriram caminhos a nível de criatividade na composição e performance. Rara é a banda que percorre caminhos post-hardcore que não mencione ATDI e Refused como influências.

Agora, existe a questão para os mais cépticos – nos quais me cheguei a incluir nas horas seguintes, ao ter tido conhecimento oficial do regresso (mas já me passou o cepticismo) – que tudo o que escreveram e disseram, posteriormente ao final da banda, afinal não fez/faz tanto sentido. [Isto] porque a cisão dos ATDIdeveu-se à divergência de ideias a nível criativo e os dois que foram para The Mars Volta [Cedric Bixler-Zavala e Omar Rodriguez-Lopez] afirmaram que não queriam ficar-se pelos rótulos de “punk e hardcore” e decidiram enveredar por outros horizontes de carácter mais progressivo, contudo, afinal regressaram às origens…

Os Refused, até no manifesto final, fizeram sentir a lírica de índole revolucionária que os caracterizou e, pessoalmente, fiquei sempre com a ideia de que estes seriam mesmo coerentes nos actos: lançaram um DVD quase como a perpetuar a imagem de uma banda que não teve tempo de se mostrar, ser reconhecida e que jamais voltaria a pisar palcos. Afinal, o manifesto final – que quase iguala um romance Nobel de literatura – parece ter sido só uma reacção camuflada da saturação que atingiram uns dos outros. [Ou seja, é] normal, todos passamos por isso.

Quais são as tuas expectativas para este regresso, tendo em conta o impacto que ambas as bandas tiveram em Larkin?Sinceramente, não estou com expectativas nenhumas, e deve ser melhor assim. No ano passado, fui a Itália de propósito ver uma reunion de Snapcase, sem grandes expectativas, e acabou por ser melhor do que em 2000, quando estavam no activo e os vi em Lisboa.

Estou contente claro, mas estas bandas regressaram só para umas tours e o que eu preferia era que aparecessem bandas novas com discos à altura dos que estas editaram, discos que tu compras, chegas a casa, ouves e sentes que há ali algo novo, algo que te vai inspirar, algo que será intemporal ao teu ouvido, como eles fizeram.

Alguma vez conseguiste ver ATDI ou Refused ao vivo? Não, não vi nenhuma. Mas fui ver The Mars Volta (TMV) ao Paradise Garage, na altura em que tinha acabado de sair o De-Loused [In The Comatorium, disco de estreia dos TMV, editado em 2003]. Ainda o tinha ouvido poucas vezes e recordo-me de lá ter ido “fifty-fifty” por Mars Volta e porque eram os gajos de ATDI.

Tencionas tentar vê-los agora (pelo menos, Refused, que já se sabe que vão tocar na Europa)? Sim, tenciono e tenho quase a certeza de que vou ver as bandas, mas porreiro seria virem ambas ao Festival Milhões de Festa [risos].

Achas que a reunião de Refused vai, finalmente, definir o punk dos próximos tempos? Ou se, pelo menos, vai fazer jus ao grande The Shape of Punk To Come (SOPTC)? Mas já não está definido? Quanto pagam em Coachella? [risos] Estou a gozar, isso de definir o punk dos próximos tempos é muito relativo. Para mim, na altura, definiu antes do SOPTC. Nós já conhecíamos Refused e gostávamos IMENSO deles, mas recordo-me muito bem da minha história pessoal com o The Shape Of Punk To Come, pois, poucos meses depois dele sair, estava com o Ivo (guitarrista de Larkin) em Inglaterra, comprei o disco (ele já o tinha e aconselhou-me), ouvi-o e aquilo cativou-me à primeira: o baterista com aquele groove meio jazz, os interlúdios políticos entre as músicas, a electrónica, os violinos, até o booklet… Tudo naquele cd fazia sentido e, desse dia em diante, definiu pelo menos o nosso punk, durante uns valentes anos. [Ao ponto de], em 1999, comprar uma bateria e, juntamente com o Ivo na guitarra, fazer covers deRefused no meu anexo, estampar em crewnecks as capas dos álbuns. Dessa altura, temos até gravada (com um gravador de pistas) uma música hardcore old school, mas que, lá para o meio, tem uma parte só de electrónica.

Olhando em retrospectiva até dá para rir o quanto esse disco influenciou a nossa “estética musical”, que se prolonga até aos dias de hoje com Larkin, mas já não tanto. É como em tudo, há por aí muita malta que não faz música com o intuito de inovar, mas há malta, como estes suecos, que tiveram tomates para arriscar.

Quanto ao fazer jus ao grande álbum que é, acho que a piada da história da banda estava toda nesse aspecto, eles terem feito um grande trabalho de estúdio e nunca terem tido oportunidade de o mostrar ao vivo. Mas, se os gajos aparecerem bem ensaiados, com orquestra de cordas, com os timings do sintetizador bem sincronizados e com boa energia em palco, acho que mesmo os mais reticentes vão ceder, porque transportar aquele disco para os palcos não deve ser fácil. E, se eles conseguirem criar a atmosfera para isso, vai ser bom, muito bom!

João SanchoFrederico Severo, Ricardo SalvadorSebastião Santos e João Camejo

“Foram bandas como estas que nos inspiraram a dar tudo ao vivo e a desfrutar cada espectáculo como se fosse o último”

Acham que o legado dos At The Drive-In e dos Refused vai ficar intacto, após estas reuniões? Sim, tudo o que fizeram até hoje vai manter-se inalterado. Até hoje tivemos várias bandas que se reuniram depois de anos de ausência que não tiveram o legado posto em causa. Mais recentemente, tivemos a reunião dos Rage Against The Machine, que até passaram por cá, e não foi por isso que o legado deles foi posto em causa. Bem pelo contrário, a banda ganhou mais fãs e os antigos admiradores ficaram extremamente contentes por terem esta última oportunidade de assistir a um espectáculo da banda ao vivo. Esperemos que tanto os At The Drive-In, como os Refused passem por Portugal para festejarem connosco o seu regresso aos palcos.

Quais são as vossas expectativas para este regresso, tendo em conta o impacto que ambas as bandas tiveram em Moe’s Implosion? É a oportunidade de ver estas bandas ao vivo, algo que era impossível nestes últimos anos. Mas, temos que perceber que estão mais velhos e que, como bandas, estão afastados há algum tempo. Não podemos esperar que consigam dar os mesmos concertos que deram há sete anos atrás. Foram bandas como estas que nos inspiraram a dar tudo ao vivo e a desfrutar cada espectáculo como se fosse o último, mas, depois de tantos anos concentrados em novos projectos, de certeza que voltam com uma visão diferente da que tinham. Quando a grande maioria das bandas decide terminar, muitas preferem não regressar para deixarem a memória inalterada, outras voltam para matar as saudades que têm de tocar juntos. Esperamos que tenham voltado para se divertir! Pessoalmente, recebemos o regresso destas bandas com muito entusiasmo, esperemos a despedida seja feita de igual forma.

Alguma vez conseguiram ver ATDI ou Refused ao vivo? Tencionam tentar vê-los agora (pelo menos, Refused, que já se sabe que vão tocar na Europa)? Infelizmente, nunca conseguimos ver [nenhuma das bandas] ao vivo. Tudo o que conhecemos deles são vídeos que estão a circular na internet, assim como relatos de pessoas que já os viram e bastou apenas isso para nos deixar com grande vontade de os ver ao vivo. Se tivermos oportunidade de os ver, será certamente uma coisa que não iremos querer perder. São sempre bem-vindos!

O punk morreu? Se sim, acham que isto vem dar-lhe um novo fôlego? O punk não morreu, assim como os vários estilos nunca vão morrer. Tanto o punk, como outras correntes musicais acabam por ficar na história através de bandas e de artistas que se vão inspirando nelas.

Se continuarmos assim, teremos sempre pessoas a ouvir punk ou qualquer outro estilo, nunca sob o mesmo ambiente e intensidade que havia na altura da sua origem, mas sempre como influência principal. Felizmente, também vivemos numa altura onde, muito graças à tecnologia, temos tudo gravado e guardado para se ouvir a qualquer altura e graças a isso transmitir essa música às novas gerações. O regresso de ATDI e Refused veio a demonstrar isso mesmo, que o punk não morreu e que nunca esteve morto.

Afonso Lima e José Silva

“Aquilo que eles deixaram já deu frutos, já ganhou vida própria”

Acham que o legado dos At The Drive-In e dos Refused vai ficar intacto, após estas reuniões? O legado já está constituído e já deu frutos, pelo que dificilmente será “prejudicado” ou propriamente modificado com as reuniões. Estas bandas já influenciaram uma série de artistas que ganharam lugar próprio no panorama musical. Num extremo, poderemos vir a observar a desmistificação de um ícone. No entanto, aquilo que eles deixaram já deu frutos, já ganhou vida própria.

Quais são as vossas expectativas para este regresso, tendo em conta o impacto que ambas as bandas têm, actualmente, em ManInFeast? Achamos que vai ser interessante ver como é que aqueles que foram a centelha para uma subcultura se vão afirmar face àquilo em que essa subcultura se tornou. Mas não vamos criar expectativas em demasia… Apesar de gostarmos das duas bandas e até dos caminhos que seguiram após o interregno (Mars Volta, Sparta e Noise Conspiracy), há sempre um receio de que as novas identidades que se foram desenvolvendo paralelamente acabem por se reflectir neste “recordar de um trabalho”.

Se, por um lado, é curioso que a reunião dos Refused se dê numa época que está a ser marcada por fortes contestações sociais, há um pé atrás em relação à reunião de At The Drive-In. É claro que não vão fazer algo novo ou diferente do que já fizeram – se bem que isso está tudo nas mãos do Omar e do Cedric –, mas dá quase ideia que assentam o regresso no facto de serem uma banda que, sem muito trabalho, tem uma legião de fãs assegurada. Já o vimos acontecer com Rage Against The Machine e onde é que eles estão agora? Que consigamos pelo menos vê-los em Portugal

Alguma vez conseguiram ver ATDI ou Refused ao vivo? Tencionam tentar vê-los agora (pelo menos, Refused, que já se sabe que vão tocar na Europa)? Nunca tivemos oportunidade de os ver ao vivo anteriormente e claro que se tivermos hipótese de os ver, vamos definitivamente satisfazer esta curiosidade. Até porque ambas representam maneiras de estar e ser muito próprias, que vamos querer sentir na pele.

Acham que a reunião de Refused vai, finalmente, definir o punk dos próximos tempos? Ou se, pelo menos, vai fazer jus ao grande Shape of Punk To ComeEsperamos, muito sinceramente, que a reunião de Refused signifique o regresso às composições. Se assim for, vai redefinir-se o caminho do punk, quase como uma contradição daquilo que o punk actual julgava ser o caminho apontado pelo Shape of Punk to Come. Afinal esse é o espírito do punk! É algo que, a acontecer, acreditamos (e temos esperança) que será surpreendente.