Não chegou a uma hora, mas foi suficiente: Oren Ambarchi, na Culturgest do Porto, protagonizou uma sessão de acupunctura sónica, propondo-se a, calmamente, invadir os corpos dispostos na sala bem composta, picada no tímpano por pica na tímpano, de forma a criar uma envolvência (mais do que ambiência, que não se sente nos corpos) introspectiva, sem retirar o indivíduo do espaço; espaço, que desempenhou um papel fulcral, mas um ponto de cada vez. O músico australiano não fez menos do que aquilo a que, no fim de contas, se havia proposto – a explorar o palpável e o visível através do som da guitarra.
Cuidadoso com as camadas, Ambarchi abordou o conceito do drone com uma calma e uma minúcia que lhe permitiram ser evasivo para com a harmonia e reservado no uso da melodia sem as alienar da actuação. Cada novo som, precisamente utilizado e acumulado – como se tornou óbvio com as vibrações mais graves, que duraram desde o início até ao último fôlego da guitarra – tinha uma função e demorava o seu tempo a entrar na peça, construída em contínuo como um todo descritivo, pormenorizado e com uma atenção especial ao corpo da guitarra e a todas as suas tonalidades. Nenhuma ficaria esquecida, nem mesmo as possibilidades rítmicas do instrumento; sempre dentro do registo drone, a sensação de aceleração e desaceleração esteve presente, como uma ilusão física do que, no fim, não foi dado como essencial para a criação da música, devido à sua natureza ruidosa.
A sala, geométrica e recta, não deteve a circularidade dos sons: deu-lhe os ecos necessários, estendendo o sustain de cada vibração a um infinito difícil de reter na matemática solene das colunas, janelas e dos tectos altos. Isto só tornou claro que um concerto de Oren Ambarchi não se pode resumir a som amplificado. A música do australiano é rica em texturas; a experiência de o ouvir sente-se no corpo, tanto quanto nos tímpanos , e na forma como as vibrações se acomodam no espaço envolvente. A beleza da sala copulou com o som, abraçando-o com um feedback positivo, total e catedrático.
No fim, sempre com as mesmas vibrações graves a conduzir a peça, Oren retirou-se em fade. Os ouvidos retraíram-se, resta saber se aliviados com silencia, se desconfortáveis com a sala despida. O australiano assentou na Culturgest de uma forma francamente bela.