Dear Telephone, Ghost Digital e Memória de Peixe fizeram as honras do primeiro dia a todo o gás do Optimus Primavera Sound. Mas foi, contudo, com OM que o festival começou. Para sermos justos, até OM, o Primavera Sound ainda não tinha visto um nível de execução técnica ao patamar que músicos do calibre deCisneros e Amos proporcionaram, demonstrando, ambos, um controlo sobre os seus instrumentos francamente fora do normal – principalmente no contexto em que se apresentaram. Al Cisneros, (in)discutivelmente o melhor baixista a passar pelo Porto este fim-de-semana, deu uma lição de groove, mesmo tendo sacrificado o andamento das suas composição para metade do ritmo normal.Sinai a abrir marcou o passo para aquilo que uma decadenteMeditation is the Practice of Death, uma das melodias de baixo mais misteriosas que por esse mundo se pode ouvir, daria como certo: OM é um mantra (o resto seria resolvido poucas horas depois). Houve, claro, tempo para o riff de State of Non-Return, single de Advaitic Songs, levar espinhas a curvarem-se. Estava confirmado que mesmo perante o desrespeito de tocarem em pleno dia, este trio (sim, porque Rob Lowe estava, como sempre, encarregue de tudo o que era éter) consegue dar grandes concertos. Mudava-se a paisagem – ou para o deserto, ou para o planalto de Gize –, e era uma experiência única numa vida.
Seguiu-se Daniel Johnston, com um início frágil que, por altura deTrue Love Will Find You in the End ficou resolvido, mais sólido. O suficiente, pelo menos, para aguentar a plateia em frente ao palco ATP e afastá-la da “concorrência” directa proporcionada por uns alegres e pop Local Natives, a exalar o odor a primavera condicente com as flores que adornavam a presença feminina do certame.
Seguiriam-se os Swans. Um concerto de Swans é algo que não se troca, nem por uma sessão de sapateado exclusiva do Papa Francisco e dos seus simples sapatos (não sei alguma vez referimos aqui que o novo Papa é mesmo simples), mesmo que tal seja seguido de um lap dance de menores de treze anos. E julgar a frase imediatamente anterior sacrílega é não ter ideia da dimensão herética que sentir tímpans, corpo e mente serem trucidados durante hora e meia de ruído conduzido por Michael Gira. Mesmo tendo sido editado em 2012, The Seer não pesou no alinhamento do concerto do colectivo com pior feitio da história da música (sem querer apostar no quão chateados Adolfo Luxúria Canibal e os restantes Mão Morta se devem ter sentido por actuar ao mesmo tempo que a banda que levou à sua formação – redimiram-se com uma grande actuação, garante-se). Pelo contrário, a actuação dos norte-americanos, fora as excepções do clássico Coward e do épico homónimo do disco mais recente, foi essencialmente centrado em material novo, justificando o regresso a Portugal desde a passagem pelo Primavera Club, em finais do ano passado.
Uma máquina de tortura chinesa não bastaria como metáfora para uns Swans tão belos e tão glamourosos quanto sempre foram, a embelezar o ruído e o drone – constante – de forma subliminar e sempre, mas sempre, melodiosa. De parte, nas suas canções, nunca ficou de parte a fealdade e a agressividade do bater de asas de uma ave graciosa, mas possante, encarnada na dança tântrica de Gira, de braços abertos, embriagado na fúria da sua própria música, e a conduzir a sua banda entre os crescendos mais pesados de todo o festival – fica a aposta feita – e a surdina mais exemplarmente adornado pela parede de amplificadores que carregavam às costas, com slide guitar, duas guitarras, um baixo e dois percussionistas a compor um corpo orquestral. Incrível, diga-se.
Tarefa difícil para os Grizzly Bear seria, pois claro, competir com a parede sónica cuspida do palco Super Bock, mesmo ao lado do palco Optimus, onde actuariam. O som revelou-se baixo, demasiado baixo em comparação com tudo o que os precedeu (mesmo em relação a Mão Morta), mas isso não impediu que a audiência mais dada a equinócios que a solstícios (os Swansforam invernais em no último sopro de Maio) vibrasse com músicas como Yet Again e Two Weeks.
Enquanto isso, Steve Albini iniciava a sua actuação no palco ATP com um diálogo típico da sua pessoa: pedidos de casamento, trocas de flores, quanto peso se levantava no ginásio… faltaram os conselhos culinários de que todos precisamos, vindos de um maiores confeccionadores de discos das últimas três décadas – abençoada personagem. Os Shellac não trouxeram novidades em relação ao ano passado e a novidade é que isso não chateou ninguém. Grande concerto na mesma.
Os METZ confirmaram perante mais gente o dado certo da passagem de há dois meses por Portugal. Há energia para dar e vender e eles, a par com os Meat Puppets que subiriam ao palco ATP mais tarde, carregam o legado de Cobain e bem: os primeiros com a energia punk – a sonoridade não podia estar mais distante da dos Nirvana, ao contrário do que a crítica diz – e os segundos com o amor incondicional de uma das pessoas mais carismáticas da história da música.
Four Tet, enquanto preambulo para Blur, afastou o frio com um live conduzido de forma brilhante, a variar entre os ritmos house e um toque africano sempre orientados para a dança. Os britânicos, em boa verdade, não precisavam de qualquer tipo de aquecimento. Mal entraram em palco, o público já estava rendido e não lhes cabia mais do que fazer jus à discografia que os coloca no patamar de headliners do festival. Missão cumprida sem qualquer tipo de dificuldade.
Difícil foi a tarefa dos Do Make Say Think, que começavam precisamente ao mesmo tempo que Damon Albarn e companhia. O palco Pitchfork estava despido mas rapidamente se compôs para confirmar o que para os poucos doidos que por lá estavam desde início era dado como certo: o colectivo de Toronto não perdeu a mística desde os tempos de Goodbye Enemy Airship, the Landlord is Dead e You, You’re a History in Rust. Duas baterias, duas guitarras (ou dois sintetizadores) e um baixo bastaram para uma descarga do post-rock mais descontraído e alegre que por aí se pode ouvir – uma característica muito suis generis dos canadianos. Ainda que focados em Other Truths, o último álbum a datar de 2009, algumas músicas novas deixaram antever que a boa saúde da banda poderá dar frutos em breve. E ainda bem.